A sérvia Radmila Anic dirigia uma entidade em seu país para apoiar mães solteiras. Aparecia na televisão e era convidada a ir ao Parlamento. Até que começou a ter problemas com a máfia, ligada a policiais. Ameaçada de prisão aos 60 anos, Radmila decidiu escapar. Desde o ano passado, vive em Eisenberg, na Alemanha, em um abrigo para refugiados. “Eu adoraria voltar para a Sérvia, mas eu apenas não posso”. Ela também não se sente a salvo na Alemanha. “Os europeus não gostam da gente na Europa deles.”
Esse depoimento faz parte do livro “In Your Own Words: Refugee Women in Germany tell her History (“Em suas próprias palavras: mulheres refugiadas na Alemanha contam as suas histórias”). São casos de mulheres que sofreram mutilação genital, escaparam de guerras em barcos que quase afundaram e que têm muita desilusão com a Alemanha, que tenta passar a imagem de "pátria amiga dos refugiados" (o país deve receber cerca de 800 mil refugiados só em 2015). Em 2014, o número de requerentes de asilo em solo alemão entre 25 e 30 anos foi de 27% do total, segundo estatísticas oficiais. Ainda não há dados para 2015.
"As mulheres do livro são, sim, refugiadas de guerra. Mas algumas são refugiadas de regimes opressores às mulheres", diz a cineasta Denise Garcia Bergt, uma das organizadoras do livro, ativista do grupo Internacional Women Space e diretora dos filmes “Sou Feia mas estou na moda” e Residenzpflicht, que mostra a luta dos refugiados para ficarem na Alemanha e a situação nos campos de asilo do país, ainda inédito no Brasil.
“No caso do atual movimento de refugiados, é importante que prestemos atenção no que faz uma mulher fugir de seu país de origem, topar enfrentar os perigos do trajeto e as incertezas de uma vida como asilado na Europa. Como os homens, mulheres fogem das guerras, da fome, de perseguição política, mas também de violência doméstica, de casamento forçado, de crimes contra honra, mutilação genital feminina, estupro, por não aceitarem o gênero com que nasceram. Nosso livro é fruto da necessidade de ampliar e aprofundar a discussão sobre estas formas de perseguição que obriga milhares de mulheres a pedir refúgio em outros países”, diz.
A situação dessas mulheres atualmente na Alemanha, segundo Denise, é péssima. “As mulheres que conseguem atravessar todas as fronteiras, cruzar o mar Mediterrâneo e chegar até a Alemanha, que está no meio da Europa e, portanto, é de difícil acesso, serão transferidas para alojamentos destinados a refugiados. Enquanto seus pedidos de asilo não forem processados, elas não poderão sair do distrito onde fica seu alojamento sem prévia autorização do escritório de imigração local. O período de espera pode durar anos. Isso significa que, durante este período, a asilada viverá no que lembra um regime de prisão semiaberto, sem liberdade de se movimentar. E então aquilo que parecia o fim de uma saga rumo à proteção se transforma num novo martírio.”
Nos asilos, as mulheres passam por outros riscos. Vários casos de estupros nessas casas têm sido denunciados na Alemanha. “Dentro do alojamento, não existe privacidade. Mulheres têm que dividir seus quartos com outras mulheres”, afirma Denise. “Estes quartos normalmente não podem ser fechados por dentro, apenas por fora, o que significa que o administrador do alojamento, geralmente um homem, tem uma chave mestra com a qual pode abrir estas portas quando quiser. Banheiros são coletivos, chuveiros muitas vezes não estão dentro de uma cabine com porta. Homens são a maioria da população nos alojamentos. Denunciar casos de assédio sexual é difícil, pois quando elas não dominam a língua, não conhecem seus direitos ou alguém para quem possam pedir auxílio. O que quer que aconteça fica por isso mesmo.”
No lançamento do livro, na semana passada, em Berlim, a sérvia Radmila estava lá. Começou a falar para uma audiência lotada, mas não conseguiu continuar. “Quando penso no que passei eu não consigo mais continuar. Não consigo falar. Eu só consigo chorar.”
Para encomendar o livro e saber mais: http://iwspace.wordpress.com