O secretário-geral da OEA (Organização dos Estados Americanos), Luis Almagro, divulgou umcomunicado nesta sexta-feira (15/04), após se encontrar com a presidente Dilma Rousseff, em que diz que considerar que o possível impeachment da mandatária não tem base legal, pois o mesmo “não se enquadra nas regras que sustentam o atual processo”.
“Nossa Organização tem feito uma análise detalhada do juízo político iniciado contra a Presidente e concluiu que o mesmo não se enquadra nas regras que sustentam o atual processo. Não há nenhuma acusação criminosa contra a presidente, além do argumento relacionado com a má gestão das contas públicas em 2014. Trata-se, portanto, de uma acusação de natureza política que não justifica um processo de destituição”, diz um trecho do comunicado.
A nota ainda afirma que um sistema presidencialista, como o brasileiro, “não pode funcionar como se fosse um sistema parlamentar”, em que o mandatário é destituído de forma imediata logo após uma eventual mudança na correlação de forças da coligação governamental. A sustentação do presidencialismo, afirma a OEA, não passa “exclusivamente pelo Poder Legislativo” e pelas alianças ali formadas.
“Não se pode trocar a soberania popular por um oportunismo político-partidário”, afirma o comunicado. “Se os constitucionalistas de 1988 tivessem ensejado uma solução do tipo parlamentar ou semiparlamentar, a ordem constitucional seria estruturada dessa maneira”, prossegue. De acordo com a OEA, se fosse esse o caso, “as lógicas de constituição de Governo, conformação de gabinete, responsabilidade política e destituição dos mandatários seriam completamente diferentes”.
Para a organização, que afirma não fazer juízo sobre qual sistema (presidencialismo ou parlamentarismo) é melhor, a organização política brasileira é clara (presidencialista) e, “por essa razão, definiu os limites legais para a efetivação de um processo de destituição”. “Ignorá-los”, diz, “afeta o funcionamento do sistema político e distorce a força e operacionalidade que devem ter a Constituição e as leis”.
Preocupação compartilhada
A Organização dos Estados Americanos lembra que a preocupação com o sistema democrático no Brasil não é exclusiva. De acordo com a OEA, o sistema das Nações Unidas e a União de Nações Sul-Americanas (Unasul) também dela compartilham.
Por fim, o órgão diz que o Brasil tem sido um “exemplo de democracia no continente” e precisa continuar a ser - e faz um apelo neste sentido.
“Deve-se julgar a partir da decência e da probidade pública os atos indecentes e criminosos e não o inverso”, afirma a OEA.
Leia a íntegra da nota:
Hoje, conversei em Brasília com a presidente Dilma Rousseff sobre a conjuntura presente do país, alguns temas regionais e o papel que vem desempenhando a Organização dos Estados Americanos (OEA).
Além disso, a presidente Rousseff referiu-se à situação política no Brasil e ao rito do processo de impeachment que possivelmente tenha que enfrentar.
Nossa Organização tem feito uma análise detalhada do juízo político iniciado contra a Presidente e concluiu que o mesmo não se enquadra nas regras que sustentam o atual processo.
Não há nenhuma acusação criminosa contra a presidente, além do argumento relacionado com a má gestão das contas públicas em 2014. Trata-se, portanto, de uma acusação de natureza política que não justifica um processo de destituição.
Essa perspectiva dá margem a uma série de dúvidas que estão refletidas na opinião de vários setores da população, incluindo o próprio sistema de acusação pública, como pudemos notar na carta assinada por 130 membros do Ministério Público de vários estados brasileiros:
“2. É sabido que o juízo de “impeachment” a versar crime de responsabilidade imputado a Presidente da República perfaz-se em juízo jurídico-político, que não dispensa a caracterização de quadro de certeza sobre os fatos que se imputam à autoridade, assim questionada.
3. Ausente o juízo de certeza, a deliberação positiva do “impeachment” constitui-se em ato de flagrante ilegalidade por significar conclusão desmotivada, assim arbitrária, assentada em ilações opinativas que, obviamente, carecem de demonstração límpida e clara.
4. Os fatos articulados no procedimento preliminar de “impeachment”, em curso, e como tratados na comissão preparatória a subsidiar a decisão plenária das senhoras deputadas e dos senhores deputados, com a devida vênia, passam longe de ensejar qualquer juízo de indício de crimes de responsabilidade, quanto mais de certeza.
5. Com efeito, a edição de decretos de crédito suplementar para remanejar limites de gastos em determinadas políticas públicas autorizados em lei, e os atrasos nos repasses de subsídios da União a bancos públicos para cobrir gastos dessas instituições com empréstimos realizados a terceiros por meio de programas do governo, são ambos procedimentos embasados em lei, pareceres jurídicos e entendimentos do TCU, que sempre considerou tais medidas legais, até o final do ano de 2015, quando houve mudança de entendimento do referido tribunal.
6. Ora, não há crime sem lei anterior que o defina e muito menos sem entendimento jurisprudencial anterior assentado. Do contrário, a insegurança jurídica seria absurda, inclusive com relação a mais da metade dos governadores e inúmeros prefeitos que sempre utilizaram e continuam utilizando as mesmas medidas que supostamente embasam o processo de impedimento da Presidente.
7. Desse modo, não há comprovação da prática de crime de responsabilidade, conforme previsão do artigo 85 da Constituição Federal.”
Além disso, é preciso ressaltar que um regime presidencialista, como o brasileiro - prevalente na grande maioria dos países do nosso hemisfério - não pode funcionar como se fosse um sistema parlamentar, onde a destituição do primeiro mandatário se dá imediatamente, bastando uma mudança na correlação das forças políticas na coligação governamental.
De fato, a sustentabilidade do sistema presidencialista não passa exclusivamente pelo Poder Legislativo e pelas alianças formadas nesse contexto. As alianças políticas, no presidencialismo, garantem a eficiência para legislar e governar, mas não substituem o apoio soberano representado pelo voto popular consignado à atual presidente. Não se pode trocar a soberania popular por um oportunismo político-partidário. Se os constitucionalistas de 1982 tivessem ensejado uma solução do tipo parlamentar ou semiparlamentar, a ordem constitucional seria estruturada dessa maneira e, por exemplo, as lógicas de constituição de Governo, conformação de gabinete, responsabilidade política e destituição dos mandatários seriam completamente diferentes.
Não fazemos aqui qualquer juízo sobre qual é o melhor sistema – presidencialismo ou parlamentarismo - porque isso depende do pacto social e político de cada sociedade. Mas a organização do sistema constitucional brasileiro é clara e, por essa razão, definiu os limites legais para a efetivação de um processo de destituição. Ignorá-los afeta o funcionamento do sistema político e distorce a força e operacionalidade que devem ter a Constituição e as leis.
Nossa preocupação não é isolada, porque o sistema das Nações Unidas e a União de Nações Sul-Americanas (UNASUL) também dela compartilham. O sistema das Nações Unidas observou:
“O Brasil é um país muito importante e qualquer instabilidade política é uma preocupação social para nós,” disse à imprensa brasileira na semana passada o Secretário-Geral das Nações Unidas, Ban Ki Moon. “Renovamos nosso apelo para garantir que o Poder Judicial seja respeitado, que as instituções democráticas pelas quais o Brasil lutou tanto para ter sejam respeitadas e nãn sejam minadas no processo,” afirmou Ravina Shamdasani, Porta-voz do Alto Comissariado da ONU para Direitos Humanos.
Por outro lado, a UNASUL destacou que:
“A presidente só pode ser processada e destituída - revogando o mandato popular que a elegeu - por faltas criminosas nas quais se comprove sua participação dolosa e ativa. Aceitar que um líder possa ser afastado de seu cargo por supostas falhas em atos de caráter administrativo levaria à perigosa criminalização do exercício do governo por razões de índole simplesmente políticas”.
O Brasil tem sido um exemplo de democracia no continente e todos precisamos que continue sendo. É por isso que a comunidade internacional faz um apelo nesse sentido.
Deve-se julgar a partir da decência e da probidade pública os atos indecentes e criminosos e não o inverso.
Esse princípio será também essencial para a luta contra a corrupção que assola o país e que dever ser combatida até o fim. É do interesse de todos que a investigação chegue até suas últimas consequências.
A conscientização deve valer-se da verdade e da justiça; e a consciência política só é válida quando se expressa em conformidade com a institucionalidade em vigor no país.