Os golpistas levaram meses para consumar seu crime contra a democracia. Mas poucos dias bastaram para a completa, absoluta, irrevogável desmoralização do golpe.
É um marco, neste processo fulminante, o que acaba de ocorrer no festival de cinema de Cannes. A mensagem épica antigolpe que a equipe do filme brasileiro Aquarius correu instantaneamente o Brasil e o mundo nos sites e nas redes sociais.
O grupo, no qual estava incluída a estrela do filme, Sônia Braga, posou segurando cartazes em inglês e francês que denunciaram ao planeta o caráter do golpe.
Um dos cartazes dizia: “O Brasil não é mais uma democracia”.
Vídeos e fotos do protesto de Cannes viralizaram imediatamente nas redes sociais. Dilma, nelas também, agradeceu a solidariedade.
O fato é que o golpe perdeu o que se poderia chamar de duelo de narrativas, e isso é o princípio do seu fim.
A Globo e a oposição liderada pelo PSDB fracassaram miseravelmente na tentativa de transformar umaquartelada parlamentar e jurídica num ato de “salvação nacional”.
Essa narrativa mentirosa, cínica, ridícula foi atropelada pela narrativa real: foi um golpe da plutocracia.
Os fatos se impuseram. O domínio das notícias, em 2016, já não pertence às grandes empresas de comunicação. Elas podem muito, mas não o suficientemente para deter a internet.
A internet é maior que todas elas juntas.
Os brasileiros sabiam muito bem que era um golpe. O que de certa maneira surpreendeu foi a rapidez com que a comunidade internacional também soube.
Um papel primordial, aí, coube ao jornalista americano Glenn Greenwald, radicado no Brasil e reconhecidamente um dos mais brilhantes repórteres do mundo.
Numa entrevista para a CNN, Greenwald chamou o afastamento pelo que é: golpe. Logo depois, David Miranda, namorado de Greenwald, publicou um artigo no Guardian devastador para os golpistas.
Já entrou para a antologia do antijornalismo a resposta que o dono da Globo João Roberto Marinho deu ao Guardian. JRM quis desmentir que era golpe, mas não convenceu ninguém, e ainda levou uma tréplica matadora de Miranda.
O confronto de versões entre Greenwald e JRM foi vital para que triunfasse a narrativa real, a do golpe de Estado. Era previsível: quem é mais ouvido e mais respeitado no mundo, Greenwald ou JRM?
Logo a seguir outras publicações estrangeiras, entre as quais o NYTimes, considerado o melhor jornal do mundo, reforçaram a tese golpista.
Os destruidores da democracia contribuíram para que seus argumentos não florescessem. Cenas da grotesca sessão da Câmara que aprovou o impeachment foram vistas em toda parte.
Vistas as coisas em retrospecto, é possível dizer que ali a narrativa da plutocracia estava destinada a sucumbir.
A equipe de “notáveis” de Temer foi outro choque de realidade para os observadores internacionais. Homens brancos, velhos e ricos, boa parte dos quais vinculada a denúncias fortes de corrupção – ao contrário de Dilma.
Uma mulher honesta afastada por homens desonestos: numa linha, é isso que aconteceu no Brasil. E esta é a narrativa vencedora.
O governo Temer é um embaraço de proporções planetárias. Está tecnicamente morto. Não é respeitado nem pelos analfabetos políticos que, manipulados pela mídia plutocrática, vestiam a camisa da CBF e iam para as ruas pedir o fim da corrupção.
Sem noção do ridículo, Temer diz que quer pacificar os brasileiros. Ora, isso só vai acontecer quando ele for devidamente enxotado do Planalto.