Na noite desta quinta-feira (14/07), milhares de pessoas assistiram ao show de fogos de artifício na orla de Nice, no sul da França, em comemoração ao Dia da Bastilha, feriado nacional no país. Após o show, enquanto elas voltavam para casa a pé em meio às ruas fechadas para o trânsito de automóveis, um caminhão avançou sobre a multidão por quase dois quilômetros, ziguezagueando com a aparente intenção de atingir o maior número possível de pessoas, segundo testemunhas.
Quando o caminhão finalmente parou, o motorista sacou uma pistola e atirou contra a polícia. Ele foi morto pelos oficiais, que encontraram na cabine do caminhão, além de mais algumas armas – inclusive uma pistola falsa – e munição, documentos com a identidade do motorista: Mohammed Lahouaiej Bouhlel, cidadão da Tunísia de 31 anos que vivia na França há pelo menos dez anos com um visto de trabalho.
Apesar de o presidente francês, François Hollande, e outras autoridades terem se apressado emafirmar que a ação se trata de “terrorismo jihadista”, as evidências divulgadas até agora indicam que Bouhlel agiu sozinho. Hollande chegou inclusive a dizer que a França está sob a ameaça do “terrorismo islâmico”, presumindo que a origem tunisina de Bouhlel equivalesse à prática da religião muçulmana e a um consequente e inevitável fundamentalismo religioso como motivação para tal atrocidade.
Diferentemente da conclusão apressada de Hollande, Bouhlel não era muçulmano praticante e aparentava não ser religioso, segundo depoimentos de seus vizinhos à imprensa internacional. Ele trabalhava como motorista de empresas transportadoras e vivia sozinho há cerca de um ano em um prédio em um bairro habitado pela classe trabalhadora em Nice. De acordo com pessoas que viviam no prédio, ele não interagia com os vizinhos e não respondia aos “bom dia” ou “boa noite” dos passantes ao encontrá-los nos corredores e escadas.
“Ele só meio que encarava de volta, agressivo”, contou um dos vizinhos ao jornal britânico The Guardian. “Eu tinha muito medo dele. Tudo o que sabia é que ele tinha tido problemas com sua esposa, mas nós nunca a vimos, nem seus filhos. Ele passava bastante tempo no bar no fim da rua, onde ele jogava e bebia.”
A esposa de Bouhlel vivia do outro lado da cidade com os três filhos do casal. Ele era violento e bateu nela algumas vezes, e os dois viviam separados há cerca de três anos, segundo vizinhos da esposa. O apartamento dela foi revistado pela polícia, que a deteve nesta sexta-feira (15/07) para questionamento.
Pessoas muçulmanas moradoras do prédio onde o casal vivia e onde ainda vive a esposa disseram ao The Guardian que Bouhlel bebia, fumava e não frequentava a mesquita do bairro. “Sabíamos que ele era violento e que tinha se mudado daqui há algum tempo, mas era só”, disse uma vizinha.
O caminhão usado por Bouhlel no ataque foi alugado no dia 11 de julho. As autoridades francesas ainda não sabem como ele conseguiu as armas encontradas no caminhão e – apesar das declarações de Hollande e de outros políticos franceses, que se apressaram a identificar Bouhlel como “terrorista islâmico” – ainda desconhecem as motivações do ataque. Ele não estava no radar nem da França nem da Tunísia por possível ligação com terrorismo internacional, mas, nos últimos seis anos, teve mais de uma passagem pela polícia francesa por comportamento violento e roubo.
Em março, um tribunal em Nice condenou Bouhlel por agressão após ele atacar com um estrado de madeira outro motorista durante uma briga de trânsito. Ele recebeu uma sentença de seis meses de prisão, que poderia ser cumprida em liberdade com a condição de que ele se apresentasse semanalmente à polícia, o que ele vinha cumprindo, segundo o Ministério da Justiça francês.
De acordo com autoridades tunisianas, Bouhlel era da cidade de Msaken, há cerca de 120 km de Túnis, a capital do país, e a 10 km de Sousse, onde há um ano atiradores abriram fogo contra turistas em uma praia, deixando 37 mortos. Sua última visita ao país teria sido há quatro anos, para o casamento de uma irmã. Um sobrinho disse à agência Reuters que falou ao telefone com Bouhlel há três dias e que ele disse que pretendia visitar a família em Msaken em breve. “Por que ele faria algo assim?”, questionou um de seus irmãos à agência.