A conclusão do inquérito contra Luiz Inácio Lula da Silva e dona Marisa sobre o apartamento triplex no Guarujá, indiciando-os por supostos recebimentos de R$ 2,4 milhões da OAS, mostra que força-tarefa da Lava Jato dispensou a delação do ex-presidente da empreiteira, Léo Pinheiro, sustentando a tese de propina com lógicas narrativas, sem comprovações materiais. Antes de se tornarem réus de Sergio Moro, as peças ainda precisam passar pelo Ministério Público Federal (MPF) que elabora a denúncia.
Os artifícios usados pelos delegados da Polícia Federal como provas de que Lula recebeu valores ilícitos foram o depoimento do ex-diretor da OAS Paulo Gordilho e fotos do político com executivos da empreiteira. As reformas no apartamento 164 do edifício Solaris foram calculadas com documentos, entre eles recibos, faltando, contudo, a comprovação de que foram provenientes de recursos ilícitos ou de favorecimento ao ex-presidente.
Mensagens interceptadas de Léo Pinheiro e de Gordilho também foram usadas no inquérito, indicando que as reformas foram feitas, mas novamente sem sustentar as teses de ilegalidades.
MISTURA DE INQUÉRITOS
Apesar de tratar de inquérito específico sobre o apartamento triplex no litoral paulista, em todo o documento é forçada a relação dessas reformas com as realizadas no sítio de Atibaia, no interior de São Paulo. Em determinado trecho, o nome de Fernando Bittar, por exemplo, é levantado em uma sequência de ilações:
"Nesse cenário, seria razoável até que FERNANDO BITTAR recebesse as plantas do Sítio em ATIBAIA mas não se justifica que mesmo tenha recebido plantas de um imóvel ao qual assevera NÃO POSSUIR QUALQUER RELAÇÃO", concluiu o delegado, ao analisar um email em que Paulo Gordilho envia a Fernando as plantas do triplex.
Em outro momento, sem introduzir contextos sobre a outra investigação sobre o sítio de Atibaia, o inquérito traz recibos da reforma feita na cozinha da propriedade, em nome de Fernando Bittar, dono do sítio, mas apreendidos em posse de Paulo Gordilho, o ex-diretor da OAS.
Isso, para a PF, mostra a relação de Gordilho com Fernando Bittar. O que advém dessa conclusão é que, para os delegados, consequentemente, Lula também conheceria o tal diretor da empreiteira. Neste momento, entra o trecho já aqui adiantado pelo GGN, em que o delegado expõe suas narrativas para tentar relacionar o sítio de Atibaia, o triplex no Guarujá com Lula e com Paulo Gordilho.
Contraditoriamente à conclusão final da Polícia de que o ex-presidente teria responsabilidade e seria receptor de favorecimentos exclusivamente no apartamento no litoral paulista, mais da metade do inquérito tenta incriminar Lula em fatores relativos ao sítio de Atibaia.
TEORIAS
O delegado Márcio Adriano Anselmo dá grande importância ao fato de funcionários da OAS chamarem o ex-presidente de "chefe" e Dona Marisa de "dama" e "madame". Para ele, isso seria suficiente para comprovar hierarquia de relação entre Lula e sua esposa com os executivos da empreiteira.
EXPOSIÇÕES COM FÁBIO LUIS
Para se comprovar que um determinado número de telefone é de Fábio Luis Lula da Silva, os investigadores fizeram questão de mostrar a foto que aparece registrada neste número no aplicativo Whatsapp:
Isso se tornou importante para os delegados para se chegar a uma outra conclusão, de que o "Amigo" citado em conversas entre Paulo Okamoto e Léo Pinheiro e com Marcos Ramalho, secretário do ex-presidente da OAS, é Lula.
E é na página 17 do inquérito que a Polícia Federal extrapola a tentativa de detectar provas para o indiciamento. "Os tópicos seguintes não guardam ligação direta com assunto tratado acima, mas demonstram proximidade de Léo Pinheiro com Fabio Luis Lula da Silva", diz o delegado.
E a mensagem usada, assumidamente sem relação com a investigação, tampouco traz indícios de intimidade como tenta sustentar os investigadores. Foi um recado enviado pelo secretário de Léo Pinheiro, informando que ele deveria enviar um email para Fabio Silva. Sem mais especificações do tema que seria tratado neste email, nem outro qualquer detalhe adicional.
EXPOSIÇÕES QUE NÃO SUSTENTAM TESES
O início do seguinte documento, a segunda parte do inquérito, é aberta com fotos de Lula ao lado de Paulo Gordilho em um bar aparentemente de uma residência, tomando algo. Para a PF, as fotos comprovariam a intimidade de Lula com o executivo, o que não traz provas das acusações sustentadas no documento:
Ainda, quando prestou depoimento à PF, em condução coercitiva no famoso dia 4 de março, Lula não disse desconhecer o ex-diretor, mas afirmou que não se lembrava de Paulo Gordilho "por nome". Ainda, nunca negou conhecer Léo Pinheiro. O que também conclui que todas as argumentações usadas pelo delegado para tentar comprovar que o ex-presidente mentiu se tornam ineficazes.
PAULO OKAMOTO É TAMBÉM INDICIADO
O primeiro momento em que Paulo Okamoto é citado ocorre na página 14 do indiciamento. É uma troca de mensagens de Léo Pinheiro e o ex-presidente do Instituto Lula, para dar sequência à lógica do delegado de que o tal "amigo" era Lula, uma vez que citam diálogos de encontros do executivo da OAS com o "amigo".
A segunda vez, e considerada suficiente para indiciá-lo por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, é um documento que mostra Paulo Okamoto como contratante de uma obra feita pela OAS. Trata-se da autorização do ex-presidente do Instituto Lula de armazenar 10 containers do acervo presidencial.
Mas na visão dos investigadores, Paulo Tarcisio Okamoto foi o intermediador da interposição da OAS, comandada por Léo Pinheiro, "para ocultar valores pagos por esta ao Instituto Lula, em benefício direito de Luiz Inácio Lula da Silva".
CONCLUSÕES
Ao fim, o inquérito conclui que os 61 pagamentos mensais, que totalizam o valor de R$ 1.313.747,24, nas reformas feitas pela construtora OAS são de "vantagens indevidas". As notas fiscais neste momento são apresentadas. Mas, novamente, sem documentação ou indícios que comprovem que seria "indevidas" ou que a origem do dinheiro seria de corrupção.
A acusação que se refere ao acervo presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva ficou reservada a dois parágrafos das 59 páginas totais do documento:
A única possível indicação mostrada pela PF de que os recursos investidos na reforma do apartamento triplex, da cozinha do sítio de Atibaia e no armazenamento do acervo presidencial de Lula eram supostamente ilegais é porque a OAS é "beneficiária direta do esquema de desvios de recursos no âmbito da PETROBRAS investigados na OPERAÇÃO LAVA JATO". Nada além.
Por todas essas sustentações lógicas com evidente falta de documentação probatória, o delegado finaliza indiciando:
- Léo Pinheiro por corrupção ativa, falsidade ideológica e lavagem de capitais, por efetuar pagamento de vantagem indevida pela OAS nas reformas do apartamento no Edifício Solaris, no Guarujá, e nas despesas de armazenamentos de bens de Lula, o chamado acervo presidencial.
- Paulo Gordilho por corrupção ativa e lavagem de capitais, por ter feito os pagamentos solicitados por Léo Pinheiro.
- Lula por corrupção passiva, falsidade ideológica e lavagem de capitais, por "receber vantagem indevida" dessas reformas.
- Dona Marisa por corrupção passiva e lavagem de capitais, por também receber "vantagem indevida" dessas reformas.
- Paulo Okamoto por corrupção passiva, falsidade ideológica e lavagem de capitais, por "receber vantagem indevida" no acerbo presidencial.