São Paulo – Para dar um exemplo concreto de como o governo de Michel Temer pode afetar a vida do país e o cotidiano das pessoas, muitas das quais não tinham ou não têm noção do que significa “Estado mínimo”, por exemplo, a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) conta um caso relacionado à educação. “Esses dias eu estava falando com professoras da Universidade Federal de Minas Gerais que iam a um seminário em Portugal, previsto havia muito tempo. Perto do seminário foram avisadas que a universidade não bancaria mais as passagens e as estadias. Pagaram do próprio bolso.”
Esse é um exemplo claro que, entre muitos outros, mostra às pessoas o que está à frente do país e delas próprias. “Estão tendo clareza que daqui pra frente as universidades federais vão sofrer um ataque imenso, para se justificar uma privatização, uma forma diferente de gestão das universidades. Estou dando um exemplo, mas isso vai acontecer em várias áreas do setor público”, disse Gleisi em entrevista à RBA.
Segundo a senadora, a situação pós-impeachment “não está fácil”. Outro exemplo das dificuldades: na sessão de quinta-feira (8), o Senado aprovou a Medida Provisória 727, que cria o Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), já aprovada na Câmara dos Deputados, e vai à sanção presidencial. A MP nada mais é do que a recepção da Lei 9.494/1997, que instituiu o Programa Nacional de Desestatização de Fernando Henrique Cardoso e garantiu a privatização da Companhia Vale do Rio Doce, Eletropaulo e Telebras.
Para a senadora, não existe alternativa para barrar iniciativas como a PEC 241, que congela investimentos em saúde e educação, ou a flexibilização da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e reforma da Previdência, entre outras, a não ser a mobilização popular. “Se não tivermos mobilização, se o movimento social não estiver junto, se isso não ecoar no Congresso, nós não conseguimos barrar”, diz. “A gente tem insistido muito em ficar alerta, a partir de agora colocar o pé na porta, para não deixar as coisas acontecerem.”
Gleisi acredita que a conscientização dos trabalhadores em geral e dos servidores públicos sobre o que realmente significa o governo Temer vai aumentar a resistência cada vez mais. “As pessoas estão começando a ter consciência do que significou esse processo de impeachment. As mobilizações vão crescer. Não tenho dúvida disso.”
Como está seu estado de espírito depois do impeachment?
De resistência e luta. Não está fácil, não. A sessão de ontem (quinta-feira, 8) no Senado foi uma tratorada, com votação de medida provisória sem cumprir o prazo. Normalmente elas são lidas e são votadas na segunda sessão depois de lidas. E o Renan (Calheiros, presidente do Senado) não deixou isso acontecer, deu andamento à sessão, votou, aprovou. E MP importante, que muda coisas fundamentais, como essa MP das PPIs, as parcerias público privadas. As coisas não vão ser fáceis. Vamos ter que montar um grupo de resistência parlamentar, mas vai ter que ter muita resistência de rua também.
De que maneira se pode barrar ou dificultar as reformas que vêm por aí, como da previdência, a trabalhista?
A PEC 241 também, que retira recursos da educação e saúde. Do mesmo jeito. É ter mobilização popular. Se não tivermos mobilização, se o movimento social não estiver junto, se isso não ecoar no Congresso, nós não conseguimos barrar. A Casa é sensível à mobilização. Ou seja, se tiver pressão dos movimentos sociais nos estados dos senadores, assim como dos deputados, a gente consegue segurar, barrar essas questões. Mas se não tiver, se eles tiverem espaço pra fazer isso, sem resistência popular, vamos ter muitas dificuldades, porque somos minoria lá, agora. É uma situação bem difícil.
A reforma da Previdência, a reforma trabalhista, por si só, são polêmicas. Já tem resistência também na base deles. A própria PEC 241. Mas nós não queremos aprovar algo mediado. Porque, numa situação como essa, qualquer mudança que venha a ser feita só piora a situação dos mais fracos, dos trabalhadores, do povo mais pobre. Não são mudanças que melhorem. Nosso papel fundamental, lá, é fazer a resistência.
Nesse sentido, as reformas do Temer são tão impopulares que ele poderia perder apoio em sua própria base?
Com certeza ele vai ter dificuldades. O que a gente teme é que essas dificuldades sejam mediadas. O que acontece? Vamos pegar como exemplo a reforma da Previdência. Se tivesse que mexer em algum lugar pra tentar equilibrar um pouco, seria na previdência do setor público, que é uma previdência mais parruda, com mais direitos, que é muito diferente da previdência do trabalhador normal. Mas isso não vai acontecer. Até porque os servidores públicos, principalmente as carreiras mais fortes – e aí não estou falando do servidor em geral, mas de carreiras do Judiciário e outras chamadas de Estado, estruturadas – têm um lobby e uma organização muito forte no Congresso. Se abrir a reforma da Previdência, o que vai acontecer é mexer na previdência geral. A não ser os trabalhadores de sindicatos fortes, do movimento social, o trabalhador geral, normal, tem dificuldade de se organizar, estar no Congresso, pressionar, ter acesso direto aos parlamentares, e vai sair mais prejudicado.
Temos que ter uma ação de resistência. Não deixar chegar nem a um ponto de mediação. Não tenho dúvida de que vai ter resistência, sim, na base dele (Temer), mas eles vão jogar para negociar, e, negociando, também não tenho dúvida que vai cair no lado mais fraco da população, o povo mais pobre, o trabalhador que ganha menos. É assim que acontecem as coisas quando o Congresso faz uma reforma mais profunda.
A PEC 241 tende a ser aprovada de que maneira, já que base para isso o governo tem?
Tem base para isso, mas acho que, como está, não vai conseguir aprovar. Fizemos uma audiência pública na CAE (Comissão de Assuntos Econômicos) para discutir essa PEC. Devemos fazer mais duas ou três audiências neste semestre. Foi muito interessante porque os dois únicos senadores que estavam propensos a apoiar a PEC como um todo eram dois do PSDB, o Tasso Jereissati (CE) e José Aníbal (SP). Os demais, inclusive da base, do próprio Democratas, estavam questionando: “Mas como é que vai ficar a saúde, a educação?”. Não tem condição, não tem margem, e isso os senadores já perceberam. Aí eu também acho que eles vão negociar.
O problema é que vão negociar em cima de outros projetos e programas importantes. Vão pegar a área de agricultura familiar, assistência social. O Bolsa Família eles estão desmontando aos poucos, pra não ter uma reação grande. Já afastaram 900 mil pessoas. Vão afastando, vão afastando... e quando as pessoas se derem conta, já ficou difícil fazer a reação. Por isso, a gente tem insistido muito em ficar alerta, a partir de agora colocar o pé na porta, para não deixar as coisas acontecerem. Por exemplo, a questão das 12 horas diárias de trabalho. Acho que você lembra quando o presidente da CNI (Confederação Nacional da Indústria, Robson Braga de Andrade) falou das 80 horas semanais...
Ele até errou, porque queria dizer 60 horas, o que já é um absurdo...
Pois é, 60 é um absurdo (risos), mas tudo bem. Ele disse 80, queria dizer 60, mas foi tanta reação que ele voltou atrás. Agora eles vieram de novo com essa questão de 12 horas por dia. Claro, é um absurdo! Isso aí é quase trabalho escravo. Agora estão dizendo: “Não, mas é pra regulamentar as 12 horas por 36”. Aí manda o ministro desmentir. Nessa questão trabalhista eu acho que eles têm mais apoio da base, porque o Congresso Nacional hoje é mais conservador e mais elitista, principalmente a Câmara dos Deputados. São mais ligados ao empresariado, ao patronato. Nesse caso vamos ter mais dificuldades.
Ficou surpresa ou decepcionada com a postura do ministro Ricardo Lewandowski, que presidiu o impeachment, e do STF, em todo o processo?
Embora a gente tenha feito alguns recursos e o Supremo tenha negado, ainda não foi feito o recurso total, de mérito. O Lewandowski, por outro lado, tentou cumprir o papel constitucional dele. Abriram um processo de impeachment que não tinha base constitucional. Nós questionamos, o Supremo disse que o conteúdo cabia ao Senado.
Até acho que ele teve um comportamento muito respeitoso e sério conosco, não posso reclamar disso. Mas não tem base aquele processo. E nós queremos que o Supremo Tribunal Federal fale sobre isso também, sobre o conteúdo. Não pode prosperar um processo de impeachment que não tem crime de responsabilidade. Principalmente depois desse julgamento fatiado, quando a presidenta não perdeu seus direitos políticos. Mostra que ela pode ocupar qualquer cargo político, portanto, poderia continuar ocupando a Presidência da República. Espero sinceramente que o Supremo decida sobre questões de conteúdo.
Poucos juristas acreditam que o STF venha a mexer no mérito...
Esse é um problema, até porque o STF já disse anteriormente que o mérito é uma questão do Senado. Você tem uma situação em que o mérito é o problema, e não o rito, o rito está ok. Mas o rito não pode se sustentar por si só, você não pode ter um mérito qualquer para justificar o rito, acho que o Supremo teria que olhar isso.
E o papel do Renan no processo?
O Renan, até certo ponto, se comportou , como presidente do Senado, de maneira a ter um equilíbrio. Não votou num primeiro momento, mas depois tomou uma posição e apoiou o impeachment, deixou isso claro, no momento em que fez um desabafo ao plenário, para mostrar sua posição contrária ao PT. Deixou claro que apoia esse governo e vai ser importante para o Temer no Senado. Ele é uma pessoa bem preparada, articulada, tem força na Casa, tem condições de fazer uma boa articulação e vai fazer. Por isso, novamente, vamos ter que fazer uma resistência e ter muito apoio popular.
Essa resistência e os protestos não precisam de muito mais gente nas ruas?
Precisa, mas vai ser num crescendo. As pessoas estão começando a ter consciência do que significou esse processo de impeachment. Elas achavam que tirando a Dilma as coisas iam se resolver, mas não estavam vendo com clareza o que significaria o Temer assumir. Estão vendo agora, com as propostas que estão sendo enviadas ao Congresso, com os posicionamentos e a forma como Temer está conduzindo o governo. Isso está assustando muita gente. E vai continuar assustando os trabalhadores em geral, assim como o servidor público. As mobilizações vão crescer. Não tenho dúvida disso.