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A agenda secreta da reforma do ensino

Set 26, 2016

Por Wilson Ferreira, no GGN                                                                         

 

Depois da divulgação da Medida Provisória que “flexibiliza” disciplinas do Ensino Médio como Artes e Educação Física o Ministério da Educação tentou explicar e disse que não era bem assim, depois de forte reação de educadores e pedagogos. Mas está claro: não basta apenas o golpe político. É necessária uma operação psicológica para anestesiar as outras amargas “flexibilizações” que serão proximamente enfiadas goela abaixo da sociedade. Uma operação para manter um sistema de comunicação projetado pela ditadura militar e mantido até hoje – a concentração das informações para a opinião pública exclusivamente nas mídias audiovisuais, especialmente a TV. Para isso é necessária a manutenção do analfabetismo visual: a crença ingênua de que ver é um ato natural e fisiológico, impossibilitando a educação do olhar e a percepção das intencionalidades por trás das mensagens visuais. “Flexibilizar” as disciplinas Arte e Educação Física mostra que o “núcleo duro” de Poder, persistente há décadas na política brasileira, não brinca em serviço. Sabe o que faz: o olhar e a autoconsciência corporal estão conectados através da “propriocepção”, a base da alfabetização visual.

Um grupo de alunos estava fazendo apresentação oral de um trabalho de pesquisa para a disciplina Estudos da Semiótica que ministrava na Universidade Anhembi Morumbi. O tema era a influência dos líderes de opinião na opinião pública a partir da referência teórica das pesquisas da Mass Communication Research de Paul Lazarsfeld.

A certa altura, foi mostrado um vídeo, desses inúmeros com a presidenta Dilma Rousseff que circulavam nas redes sociais que pretendiam comprovar que ela não passava de uma indigente mental: um pout pourri de frases desconexas, repetições, falas que não diziam coisa com coisa, gaguejos etc. Era nítido nesses vídeos que eram montagens, muitas delas criando um verdadeiro “efeito kuleshov” - experiência feita pelo teórico e cineasta russo Lev Kuleshov mostrando que a interpretação que o espectador faz de uma cena pode ser alterada através da montagem e justaposição arbitrária dos planos.

Intervi na apresentação demonstrando como o vídeo era um nítido trabalho de montagem. O vídeo em questão tinha passagens de emendas toscas, pinçadas de trechos de vídeos originais. Foi espantoso perceber a ingenuidade de alunos de segundo semestre de um curso de comunicação que, supostamente, deveriam ser os mais atentos a esses detalhes.

Essa foi uma pequeno amostra daquilo que podemos chamar de “analfabetismo visual” – a crença ingênua de que a visão é natural e que a compreensão das mensagens visuais é vinculado exclusivamente ao alfabetismo verbal. O analfabeto visual acredita estar “olhando”, quando apenas está vendo. Limita a sua leitura ao nível representativo e literal das imagens (a habilidade fisiológica da visão), sem compreender o nível abstrato (sintaxe, edição, montagem) da linguagem visual – o “olhar”, a habilidade sensitiva e afetiva construída socialmente.

Equivale ao analfabeto funcional: lê as palavras isoladamente, sem conseguir interpretar o que está lendo.

O projeto audiovisual da Ditadura Militar
Em um país no qual a ditadura militar implementou um projeto político de concentrar na televisão (especificamente no monopólio da Rede Globo) a exclusiva fonte de informações para os brasileiros, os doze anos de governos supostamente progressistas perderam a oportunidade histórica de alterar esse quadro.

A oportunidade de inserir no conteúdo de disciplinas como Artes ou especificamente dedicadas à Linguagem Audiovisual, desde o ensino fundamental, as noções de sintaxe, gramática e morfologia audiovisual. A partir da educação artística e fundamental do olhar, avançar para sintaxe das histórias em quadrinhos, para a linguagem do story board até chegar ao roteiro e toda morfologia audiovisual de cinema e TV.

Somente em maio desse ano, no governo já agonizante de Dilma Rousseff, as artes visuais foram incorporadas ao currículo do ensino básico brasileiro. Para depois, o já empossado presidente desinterino Michel Temer ameaçar com uma Medida Provisória (MP) “flexibilizar” as disciplinas de Artes e Educação Física no Ensino Médio – outro eufemismo é “opcionais”, o que na prática é o convite à erradicação.

Depois da divulgação da MP e a forte reação de professores e pedagogos, o Ministério da Educação emitiu nota dizendo que não é bem assim e que nenhuma disciplina seria eliminada.

Para bom entendedor, meias palavras bastam: esse verdadeiro núcleo duro do Poder na política brasileira desde as últimas décadas (a recorrente eminência parda do PDS-PFL-PMDB desde a ditadura militar, representada pelos seus vices – Sarney, Itamar Franco, Marco Maciel e Michel Temer) sabe muito bem o que pretende. O núcleo é composto por profissionais e não brincam em serviço.

Operação Psicológica
Enfiar goela abaixo da opinião pública um programa como o “Ponte Para o Futuro”, com as medidas neoliberais que estalarão como chicote no lombo daqueles que vivem da força de trabalho, implica numa delicada “psy-op” (“Operação Psicológica” no jargão da Inteligência e Espionagem) que envolve principalmente a grande mídia – especificamente, a grande mídia televisual.

Essa operação psicológica é a manutenção do analfabetismo visual. Situação que apenas confirma a sombria conclusão do célebre documentário Muito Além do Cidadão Kane: o Brasil mudou, o País se democratizou, mas os meios de comunicação não – mantém não só a mesma configuração do período ditatorial como dão continuidade ao projeto de concentrar nas mídias audiovisuais a única fonte informação para os brasileiros – sobre o documentário clique aqui.

Em tal concentração, monopólio e exclusivismo da linguagem visual na opinião pública, o analfabetismo visual é a pré-condição necessária para que esse sistema de comunicação mantenha-se intacto – assim como um “núcleo duro” de poder que seja capaz de convencer os brasileiros sobre qualquer coisa: “golpes constitucionais”, “flexibilização” de direitos adquiridos, “tetos de gastos” etc.

Analfabetismo visual e verbal
O analfabetismo visual é ainda mais insidioso do que o verbal, porque é silencioso: enquanto o analfabetismo verbal imediatamente prejudica a socialização, o visual é imperceptível. O analfabeto acha que está olhando (por considerar tudo natural e representativo), porém apenas vê. Acredita que a imagem é um decalque do real e é incapaz de perceber que suas impressões e juízos são decorrentes dos efeitos psicológicos (comportamentais, Gestalt, cognitivos) da sintaxe da linguagem visual.

Para Ana Mae Barbosa, especialista em arte-educação, a presença das Artes desde o ensino básico beneficiaria tanto professores como alunos: Primeiro, a leitura da imagem. Preparar o indivíduo para decodificar imagens, encontrar o sentido escondido por trás delas. Além de acostumar o indivíduo a contextualizar as imagens, onde estão inseridas. Para ela, seria a porta aberta para a interdisciplinaridade, o diálogo com outras disciplinas.

Esse “núcleo duro” do Poder, perpetuador do projeto político da ditadura militar, sabe muito bem que a sua continuidade depende da hegemonia de um sistema de informação exclusivamente audiovisual. Por isso, o golpe não pode ser apenas político. Tem que continuar na esfera educacional para garantir a perpetuação do analfabetismo visual.

Analfabetismo visual e o ovo da serpente
O analfabetismo visual sempre foi o combustível que potencializou manipulações históricas em momentos políticos decisivos:

 

 

 

Mídia

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