Entre os aspectos mais perversos da atual retirada nacional – baseada filosófica e administrativamente na diminuição do papel do Estado e das empresas públicas como instrumentos de desenvolvimento do Brasil em sua natural disputa com outros países do mesmo porte territorial e demográfico –, um dos mais abjetos é o que envolve o acelerado enfraquecimento da Petróleo Brasileiro Sociedade Anônima. Inclusive pelo cinismo com que tem sido levado a cabo.
A desculpa é sempre a mesma. Estariam, a Petrobras e o país, quebrados devido à atuação dos governos anteriores, embora a estatal estivesse, até há poucas semanas, a caminho de zerar o déficit cambial acumulado nos últimos anos; suas ações tenham se valorizado em mais de 170% neste ano, em processo iniciado quando Dilma ainda se encontrava à frente da Presidência da República; e esteja batendo sucessivos recordes de produção, especialmente no pré-sal. E o Brasil quebrado de Lula seja o mesmo país em que o BNDES tem tão pouco dinheiro que se prepara para "devolver" R$ 100 bilhões ao Tesouro e seja a mesmíssima nação que pagou as dívidas com o FMI e que acumulou US$ 370 bilhões em reservas internacionais, diminuindo, ao mesmo tempo, a dívida pública bruta e a líquida nos últimos 13 anos.
O cinismo é tanto que a turma que alega que faltava transparência à direção anterior da empresa é a mesma que, agora, pretende concentrar mais poder nas mãos de pequenos grupos para decidir questões estratégicas. Como o que vender, ou melhor, "doar", dos ativos da empresa e a quem fazê-lo; a participação ou não da Petrobras como operadora neste ou naquele poço do pré-sal; o uso ou não de peças e equipamentos comprados ou encomendados no Brasil nesse ou naquele projeto; e até mesmo a fixação do preço da gasolina "seguindo a média dos preços internacionais".
São práticas que levarão, se não houver transparência e discussões públicas, à possibilidade da eventual ocorrência de corrupção em altíssima escala. Qualquer um desses temas envolve, direta ou indiretamente, interesses que vão de multinacionais a fornecedores estrangeiros de equipamentos a donos de postos de gasolina, em uma escala que vai de bilhões de reais a dezenas de bilhões de dólares.
Nesse processo, abandona-se a lógica, evitando que a Petrobras, que, durante anos, subsidiou os consumidores brasileiros, quando a gasolina estava mais cara lá fora, seja ressarcida por isso agora, quando ela está mais barata. Adiando a recuperação da maior empresa nacional, o que é uma excelente desculpa para entregar, a toque de caixa, e a preço de banana, seus mais importantes ativos, sem consulta à sociedade brasileira, que é, em última instância, a dona do negócio.
Áreas de maior valor agregado e de maior potencial de avanço da pesquisa tecnológica e científica, como a petroquímica, o transporte e a distribuição de gás e de combustíveis, estão sendo entregues a concorrentes, deixando apenas o osso, ou a produção, para a Petrobras, dependendo do poço, quando isso for de interesse do "mercado", representado pela associação que reúne, no Brasil, as petroleiras estrangeiras.
O que dá mais dinheiro? Um barril de petróleo bruto, em um momento em que os preços se encontram historicamente deprimidos, ou um barril de gasolina ou diesel, vendido diretamente ao consumidor, na bomba de combustível?
A ganância, e a possibilidade de lucro é tanta, que o anúncio demagógico da inútil queda do preço da gasolina nas refinarias saiu como um tiro pela culatra, aumentando os preços para o consumidor, em muitos estados, no lugar de diminuí-los. Ou alguém achou que os donos dos postos iriam repassar o desconto para os clientes?
A contradição dos recém-chegados é tanta que o seu discurso privatista e entreguista defende a superioridade e proeminência da iniciativa privada sobre o Estado, mas os ativos da Petrobras estão sendo entregues a estatais, leia-se, a estados estrangeiros, como a Noruega e a China, porque no mundo real, e não no da midiotização brasileira, são as empresas estatais, como as sauditas e as chinesas, que dominam o mercado mundial do petróleo, e são nações altamente estatizadas, como a China, que dominam a economia mundial e são os maiores credores da Europa e dos Estados Unidos.
Enquanto nossa maior empresa vai sendo desmontada, esquartejada, descaracterizada estrategicamente, as mentiras sobre ela vão se acumulando.
Cabe aos petroleiros processar a PricewaterhouseCoopers para que ela prove os alegados desvios de R$ 6 bilhões na companhia, que já deveriam ter sido reincorporados aos novos balanços.
Ao contrário do senso comum baseado em um discurso apressado e rasteiro, a gasolina no Brasil não está entre as mais caras do mundo. Há mais de 50 países em que ela custa mais do que aqui, incluídos grandes produtores, como a própria Noruega, a quem estamos entregando megapoços do pré-sal, quando poderíamos simplesmente estabelecer alianças entre a Petrobras e estatais estrangeiras, mantendo o controle dos poços e das reservas em nossas mãos, como deveria ter sido feito agora com a francesa Total.
A verdade é que a Petrobras não está, nem esteve, nunca, quebrada da forma que foi divulgada. O seu endividamento decorreu não de algumas dezenas de milhões de dólares efetivamente pagos por empreiteiras a bandidos como Paulo Roberto Costa e Nestor Cerveró para que não atrapalhassem seus negócios, mas da brutal queda do preço do petróleo que a afetou e também outras companhias.
E de uma estratégia deliberada de sabotagem da credibilidade da empresa, para derrubar o governo anterior e levar as suas ações ao chão, para que grandes investidores privilegiados, como George Soros, por exemplo, e acionistas estrangeiros que nunca acreditaram em sua quebra e no catastrofismo fascista fizessem extraordinárias fortunas, em poucos meses, como aconteceu este ano, enquanto otários tupiniquins pseudoconservadores e midiotizados se desfaziam de suas ações, metendo o pau na empresa, nas redes sociais, a R$ 5, quando elas estão valendo hoje quase R$ 20.