Peça 1 – os referenciais para analisar a crise
Os referenciais em torno dos quais montaremos nossos cenários:
1. O maior agente político continua sendo a massa dos bestificados que saem às ruas impulsionados pelo ódio e pela intolerância exarados pela mídia e pela Lava Jato.
2. Quase todas palavras de ordem pré-impeachment se esvaziaram. Agora, o alvo da mobilização é o Congresso, com todos seus defeitos, o último setor de manifestação do voto popular. E a turba sendo engrossada por procuradores e juízes, em uma nítida perda de rumo das instituições.
3. Agora, se tem um Judiciário brigando com o Legislativo, procuradores de Força-Tarefa assumindo a liderança da classe, se sobrepondo ao Procurador Geral, em um quadro de indisciplina generalizada e crescente.
4. Esse clímax se dará com a revelação das delações da Odebrecht, tornando mais aguda a crise, a desmoralização da política e a busca de saídas milagrosas.
5. Se terá então a crise econômica se ampliando, o vácuo político se acentuando, e massas raivosas atrás de qualquer solução, por mais ilusória que seja, como esse cavalo de batalha contra a Lei Anti-abusos.
Vamos montar, por partes, esse mapa do inferno.
Peça 2 – o fim de Temer, o breve
A economia se moverá seguindo o roteiro abaixo:
1. O governo Michel Temer acabou. Trata-se de um político menor e pior do que as piores avaliações sobre ele.
2. A era Henrique Meirelles também acabou.
3. O país está à beira de uma depressão, com convulsão social e com um governo sem diagnóstico e sem condição de comandar a recuperação. Mas o mercado insistirá em uma última tentativa, seguindo o jogo das expectativas sucessivas, conforme você poderá conferir no artigo “Como o marketing reduziu a economia a um produto de boutique”( https://is.gd/WXBqJW).
Henrique Meirelles e sua tropa deixarão de ser a equipe brilhante que salvaria a economia. Daqui para a frente, serão colocados no limbo, e a nova equipe brilhante será a do ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga, que é um Meirelles elevado à tríplice potência.
O problema da equipe econômica que assumiu as rédeas é que o seu objetivo não é o de recuperação da economia, impedindo um desastre social, mas o de destruir qualquer vestígio do modelo anterior, um ideologismo barato e cego, marca, aliás, de boa parte do pensamento econômico brasileiro.
Peça 3 – o governo de transição
Com o fim do governo Temer, aventa-se uma eleição indireta com Fernando Henrique Cardoso, trazendo Armínio Fraga para aprofundar o ajuste fiscal.
Aparentemente, essa loucura não se consumará por dois motivos.
Motivo 1 – FHC refugou.
Em duas manifestações seguidas, FHC admitiu o óbvio: sem a recuperação do voto, através de novas eleições diretas, será impossível a implementação de qualquer programa econômico minimamente consistente. Na verdade, FHC tem noção de suas próprias limitações. Em momentos menos graves – como no processo inicial de consolidação do Real e no início do segundo mandato – FHC foi incapaz de uma ação proativa sequer. Limitou-se a seguir o receituário de seus economistas, de um enorme aperto fiscal, que contribuiu, nos dois casos, para uma economia estagnada durante seus dois mandatos.
Motivo 2 – a aposta errada no aperto
Além disso, caiu a ficha da classe empresarial sobre a loucura de persistir nessa política suicida. Mesmo no mercado, a sensação é que a persistência do quadro recessivo não permite ganhos a ninguém, mesmo ao mercado. E abre o risco de algum populismo de direita, que transforme o mercado no bode expiatório.
A discussão que se iniciará agora é sobre o momento e a oportunidade das novas eleições diretas, uma discussão que levará em conta o potencial eleitoral de Lula e do PT e as alternativas do atual grupo de poder.
O fator Nelson Jobim
Com o PSDB pedindo para afastar de si este cálice, o nome mais forte aventado – lembrado pelo Xadrez de algumas semanas atrás – é do ex-Ministro da Defesa e ex-Ministro do Supremo Nelson Jobim. Tem bom trânsito junto ao PSDB e ao PT e familiaridade com as Forças Armadas, pela condução do Plano Nacional de Defesa.
Como presidente, será uma incógnita. Como candidato potencial, é a melhor aposta até agora.
Mas todas essas alternativas caminham sobre o pântano, representado pelo estímulo fascista às manifestações de rua. Abriu-se nova temporada de estímulo à violência, mostrando que a marcha da insensatez se abateu também sobre os operadores da lei.
Peça 4 - sobre a irresponsabilidade dos golpistas
Não era surpresa para quem tem um mínimo de visão e de responsabilidade institucional. O golpe desmontou definitivamente a democracia brasileira, o modelo que garantiu o equilíbrio político do país desde a Constituição de 1988. Uma mescla de aventureirismo, oportunismo, despreparo, covardia promoveu a abertura da Caixa de Pandora.
Agora, a democracia está desmontada, a economia caminhando para uma depressão. E, no momento, o que se tem é o seguinte:
· O Executivo liquidado.
· Uma campanha pesada visando inviabilizar o Congresso.
· Uma briga de foice entre instituições, com uma cegueira generalizada sobre a gravidade do atual momento.
· E a ultradireita sendo definitivamente bancada pela parceria Lava Jato-Globo.
O fato de um mero procurador regional ousar afrontar o Congresso em nome pessoal, ameaçando “pedir demissão” de uma força-tarefa para o qual ele foi indicado, mostra a desmoralização institucional do país e a quebra total de hierarquia no próprio Ministério Público Federal. Qualquer deslumbrado, com um metro e meio de autoridade, e uma tonelada de atrevimento, coloca em corner não apenas o Congresso, mas o próprio Procurador Geral.
Até onde irá esse clima? Difícil saber.
Com a delação da Odebrecht, os procuradores da Lava Jato insuflando as manifestações, a crise se aprofundando, o caldeirão das ruas entrará novamente em ebulição, sem que haja uma saída institucional à vista.
A crise começou seu trabalho de espalhar um pouco de bom senso. Mas ainda é uma gota em um oceano de insensatez.