Em maio deste ano, depois de abrir um inquérito civil para investigar supersalários na Prefeitura de Sorocaba, interior do Estado de São Paulo, o promotor de justiça Orlando Bastos Filho mandou um ofício duro ao prefeito da cidade: “Que fique claro, desde logo, que não será aceita eventual alegação de sigilo: uma, porque detém o MP constitucionalmente poder de requisição; duas, porque os vencimentos de servidores públicos é informação pública; por fim, porque são até publicados, considerando a lei de acesso à informação.”
Conhecido na cidade pelo rigor com que fiscaliza o poder público, Orlando Bastos Filho acaba de ter seu nome divulgado na lista de supersalários do Ministério Público do Estado de São Paulo: em outubro, seus vencimentos foram de R$ 107 mil brutos, incluídos nesse pagamento vantagens como indenização, vale-alimentação, auxílio-moradia, auxílio-livro, auxílio-funeral, pagamento de diárias, remunerações retroativas, duas férias anuais.
O promotor Bastos, que conduz também uma investigação sobre gastos dos vereadores da cidade com carros oficiais, telefones e verbas de indenização, está longe de ser uma exceção no Ministério Público de São Paulo (e muito provavelmente nos Ministérios Públicos de outros Estados e no Ministério Público Federal).
Em outubro, dois outros promotores ganharam mais do que ele – os maiores vencimentos foram de R$ 130 mil. Oitenta por cento dos promotores e procuradores do Estado de São Paulo teriam vencimentos acima do teto constitucional.
A revelação dos supersalários dos promotores e procuradores, feita pelo site da Agência Pública, é uma oportunidade para debater a questão das prioridades dos gastos públicos.
No orçamento do Estado para 2017, estão previstos os gastos de R$ 2,3 bilhões com o Ministério Público de São Paulo – o dobro do que será destinado para pastas como Agricultura, Meio Ambiente ou Habitação ou três vezes mais que o Estado pretende gastar com a Secretaria de Cultura.
É óbvio que o Ministério Público é absolutamente indispensável na sociedade democrática. Mas ganhar muito acima da média salarial do país, cerca de 2.300 reais, está correto?
Até que ponto um servidor público com salário até 50 vezes maior que a média do País está em condições éticas de exigir austeridade dos demais agentes públicos?
Este é o debate que também precisa ser feito.
Ou, então, precisamos resgatar os artigos 98, 99 e 100 da primeira Constituição do Brasil, a Imperial de 1824. É só trocar a palavra imperador por promotor, procurador ou juiz que fica perfeito para os dias atuais:
– O Poder Moderador (promotor, procurador e juiz) é a chave de toda organização política e é delegado privativamente ao imperador (promotor, procurador e juiz), como chefe supremo da Nação, e seu Primeiro Representante, para que incessantemente vele sobre a manutenção da Independência, equilíbrio, e harmonia dos demais Poderes Políticos.
– A Pessoa do Imperador (promotor, procurador e juiz) é inviolável, e sagrada: Ele não está sujeito à responsabilidade alguma.
– Os seus títulos são Imperador Constitucional, e defensor Perpétuo do Brasil e tem o tratamento de Majestade Imperial.
Depois de rejeitar a discussão da hipótese de enquadramento por crime de abuso de autoridade e passarem batido na questão do teto salarial intra corporis, promotores, procuradores e juízes se investiram, na prática, da Majestade Imperial.
Até quando?