O dia 17 de abril de 2016 não está tão distante. Do ponto de vista histórico, podemos dizer que foi ontem.Nesta data, todos os que possuem mais de dois neurônios se chocaram com o festival de horrores protagonizado pela larga maioria dos deputados, os quais se deram ao luxo de rasgar a Constituição da República abraçados à bandeira do Brasil ou em nome de Deus, das mulheres, dos filhos, dos amigos de copo, dos irmãos de fé, e até de torturadores.
Naquela noite, sob os aplausos da mídia e dos milhões de imbecilizados por ela, uma quadrilha de políticos corruptos, liderada por um bandido do quilate de Eduardo Cunha, consumou o golpe de estado ao apear do governo uma presidenta honesta, contra quem não pesava nenhum crime de responsabilidade. Suas excelências sempre souberam que Dilma era uma mandatária honrada e que no regime presidencialista não existe voto de desconfiança. Mesmo assim aderiram em massa à farsa criminosa do impeachment.
Depois, no fim de agosto, contra todas as evidências, dados e fatos apresentados pela defesa, os senadores corroboraram a decisão da Câmara. De nada adiantou a presença da própria presidenta, que diante dos senadores, de forma lúcida, brilhante e corajosa, desmontou uma por uma as acusações velhacas que lhes foram imputadas pelo parlamento brasileiro. Do ponto de vista moral e republicano, deu-se um massacre. De um lado, uma mulher de qualidades soberbas, com trajetória limpa, respeitável e de luta; de outro, a montanha de estrume erguida pelos senadores golpistas.
Pode soar estranho e enfadonho relembrar fatos históricos recentes de amplo conhecimento. No entanto, não custa chacoalhar a memória de parte expressiva das bancadas do PT na Câmara e no Senado, que defende a participação nas chapas de parlamentares e partidos golpistas para as eleições das mesas das duas casas, marcadas para o início de fevereiro. A fala do líder da bancada do partido na Câmara, Carlos Zarattini, que circula através de um vídeo na internet, é uma pérola em termos de falta de senso de oportunidade, incoerência política e descolamento da luta antigolpe travada pela sociedade.
Diz o líder petista que é preciso restabelecer a democracia na Câmara, que a composição da mesa diretora deve se submeter à vontade do eleitorado expressa nas urnas (o PT tem a segunda maior bancada) e que a presença do partido em uma das chapas não visa apenas a obtenção de cargos, constituindo-se em uma oportunidade para se pôr um ponto final na era Cunha, nefasto período durante o qual o regimento foi seguidamente rasgado e a democracia violada.
Zarattini fala como se o Congresso Nacional não tivesse nada a ver com o golpe, como se o vergonhoso papel desempenhado por deputados e senadores na quartelada parlamentar-judicial-midiática pudesse ser esquecido com um estalar de dedos, como se míseros espaços na direção do Legislativo mais desqualificado da história compensassem o afastamento ainda maior dos homens e mulheres que lutam nas ruas e nas redes pelo resgate do regime democrático.
A posição do deputado paulista, ao que parece acompanhada por um número expressivo de deputados e senadores, faria todo o sentido se vivêssemos em um período de normalidade democrática. Em eleições nas casas legislativas, é absolutamente natural alianças entre partidos antagônicos política e ideologicamente. Mas não agora, em plena vigência de um governo ilegítimo e usurpador, apoiado cegamente pelos parlamentares com os quais o PT pretende compor.
É aquela história : situações excepcionais requerem posições também excepcionais. Por acaso vai tirar pedaço ficar fora das porcarias das mesas da Câmara e do Senado ? Em lugar de assumir posições que prejudiquem ainda mais a desgastada imagem do partido, por que não adotar uma postura pública claramente sintonizada com o movimento de repúdio ao golpe ? Algo como :"enquanto não for restabelecida a democracia em nosso país, não participaremos de quaisquer chapas para as direções da Câmara e do Senado."