A Justiça Federal acaba de barrar mais uma negociata de gestão temerária na PETROBRÁS, proibindo a “venda” (que, como nos casos anteriores, melhor seria chamar doação) da NTS — Nova Transportadora do Sudeste, que possui uma malha moderníssima de 2.000 km de dutos de transporte de gás natural na região Sudeste.
De todas as barbaridades perpetradas por Pedro Parente, essa parece ser a mais calamitosa:
a) Entrega de Patimônio Público Sem Licitação para um grupo escolhido a dedo que teve o privilégio de “negociar” o preço com a PETROBRÁS sem concorrência;
b) Preço irrisório;
c) E, o pior de tudo: a PETROBRÁS vende a NTS mas contrata os serviços de transporte de gás prestados pela mesma na base de cláusula “ship or pay”, que prevê o pagamento de volumes mínimos pré-estabelecidos de gás natural, independentemente de utilizá-los ou não.
Abaixo a decisão. Para checar a veracidade desta informação, ligue para o telefone da 2ª Vara Federal de Aracaju, 079 3216-2374.
PROCESSO Nº: 0805435-92.2016.4.05.8500 – AÇÃO POPULAR
ÓRGÃO JULGADOR: 2ª VARA FEDERAL(SUBSTITUTO)
JUIZ FEDERAL SUBSTITUTO
AUTOR: RONALDO ARAGAO
ADVOGADO: Bruno José Silvestre De Barros (e outros)
RÉU: PETROLEO BRASILEIRO S A PETROBRAS (e outros)
DECISÃO
1. Relatório
Ronaldo de Aragão ajuizou ação popular contra a Petróleo Brasileiro S/A — Petrobras, a Agência Nacional do Petróleo — ANP e Brookfield Incorporações S/A, a pretender a anulação da venda de 90% (noventa por cento) do capital da NTS — Nova Transportadora do Sudeste, subsidiária integral da primeira, responsável pelo transporte de gás natural.
Em resumo, os autores alegaram que a Petrobras estaria a promover aquela alienação sem observar as normas de licitação, e que haveria prejuízo para a empresa, em razão da lesão a ser causada ao patrimônio público, por conta das condições do negócio a ser celebrado.
Além disso, alegou risco de dano irreparável, pois se a alienação se consumar, talvez não possa vir a ser desfeita, em razão da indenização que a empresa poderia se ver obrigada a pagar ao terceiro de boa-fé que comprasse aquele bem.
Pediu o deferimento de liminar que suspendesse a venda daquele ativo.
Intimado (ID n.º 4058500.935328), o autor emendou a inicial e corrigiu os defeitos apontados por este juízo.
Chamado a manifestar-se sobre eventual conexão entre esta demanda e a ação civil pública que tramita na 19ª Vara da Seção do Rio de Janeiro sob o n.º 0150419-50.2016.4.02.5118, o autor esclareceu que não se tratariam de ações com mesmo pedido e causa de pedir, além de ter juntado cópia da petição inicial daquela demanda coletiva.
É o relatório. Passo a fundamentar minha decisão.
2. Fundamentação
Tem razão o autor popular em relação à inexistência de conexão entre esta demanda e aquela que tramita na Seção Judiciária do Rio de Janeiro, pois ali há pedido de nulidade do ato que autorizou a venda da NTS, sob a alegação “inconstitucionalidade” daquele, por violação do art. 177, inciso IV, da CF/88.
Ou seja, naquela demanda, a tese é de que a alienação seria impossível, em razão do monopólio da União sobre o transporte de gás natural.
Nesta ação popular, o autor não questiona a possibilidade da Petrobras vender seus ativos, nem defende a existência de monopólio, mas se insurge contra o meio utilizado pela empresa para se desfazer daquele ativo, sem a necessária transparência.
Assim, não há identidade de pedido ou causa de pedir, como exige o art. 55 do CPC/2015. E, por isso, não há conexão.
Além disso, e o mais importante, a ação popular é garantia constitucional posta a serviço do cidadão para o controle dos atos estatais e que tem legislação específica (Lei n.º 4.717/65).
Seu manejo não pode ser dificultado em razão de regras de estatura simplesmente legal, que venham a impor ao autor popular ônus desnecessários e incompatíveis com o seu escopo, sob pena de esvaziamento da eficácia da norma constitucional que a prevê.
Ultrapassado este ponto, o autor parece ter razão ao pedir a suspensão do procedimento de venda do capital da NTS.
Uma vez que as situações de fato são semelhantes, serão repetidos aqui, em parte, o que já se disse na decisão proferida no processo n.º 0805433-25.2016.4.05.8500, que versa sobre outra ação popular contra venda de outros ativos da Petrobras.
Por se tratar de bens de ente integrante da Administração Pública indireta, há a necessidade de serem observados os princípios do art. 37 da Constituição Federal de 1988 – CF/88, especialmente o da legalidade, impessoalidade, publicidade e eficiência.
Numa análise superficial, parece que o procedimento adotado pela Petrobras, ainda que fundado em decreto regulamentar, não atende àquelas quatro diretrizes republicanas, pois a empresa não comprovou ter havido ampla publicidade da oferta daquele ativo para venda, o que certamente atrairia mais interessados e poderia determinar a elevação do preço.
Pelo contrário, pois segundo os próprios informes que a empresa divulgou ao mercado, um deles de 12/05/2016, a negociação levada a efeito com a outra ré (Brookfield Incorporações S/A) teria ocorrido “em caráter de exclusividade”, o que parece ofender o princípio republicano da impessoalidade, já que não está suficientemente claro por quais razões e em que circunstâncias a compradora foi escolhida.
Ainda que se trate de operação empresarial, um ente da Administração Pública não pode escolher a quem vender parte de seu patrimônio, a seu inteiro talante e sem observância da legalidade, pois pode ser que haja outros interessados no mesmo negócio e tal pluralidade de interesses poderia determinar elevação no preço da alienação, em razão da competição dos compradores.
Mencione-se, ainda, que uma negociação “em caráter de exclusividade” parece dissimular a escolha do comprador por motivos outros que não aqueles que poderiam justificar a venda, o melhor preço e a melhor condição de pagamento, pois quem vende, seja uma pessoa natural modesta ou uma grande empresa de exploração de petróleo sempre busca a conjugação daqueles dois componentes no negócio.
Além disso, a operação de alienação da NTS não parece ser eficiente, ao menos como exposta nos informes da Petrobras.
Primeiro, porque aquela subsidiária foi criada em razão de “Termo de Compromisso assinado com a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis”, com o objetivo de reestruturar cadeia de transporte de gás natural no país, segmentando-a entre uma subsidiária do sudeste (NTS) e uma do norte-nordeste (TAG).
Ora, o simples fato de ter havido tal compromisso assumido com a agência reguladora deixa ainda mais clara a importância do objeto explorado pela NTS, atividade econômica destacada no próprio texto da CF/88; importância evidente em si mesma já que o gás natural tem sido empregado como “motor” de muitas indústrias, em substituição à eletricidade, ao menos desde a crise energética do começo dos anos 2000, para se fazer referência a fatos históricos recentes.
Se aquela atividade é monopólio da União e a empresa que o explora pretende transferi-la a terceiros, essa transferência deve ser feita da maneira mais transparente possível, tendo em vista os interesses econômicos envolvidos.
Segundo, parece ser pouco prudente vender justamente a subsidiária responsável pela distribuição do gás natural no sudeste do país, região que concentra a maior parte das indústrias e que gera a maior parte do produto interno bruto do Brasil, com São Paulo à frente, pois ela tenderia a ser a mais rentável dentre as duas (NTS e TAG).
Ora, se uma empresa qualquer se vê na necessidade de alienar parte de seu ativo para aumentar sua liquidez (“fazer caixa”), será pouco provável que ela escolha justamente a fatia mais rentável de seu patrimônio para tanto, já que uma escolha dessas vai de encontro à lógica comum de qualquer negócio.
Terceiro, não parece ser economicamente viável vender patrimônio da empresa pelo preço anunciado, contratar a comparadora para continuar a prestar o mesmo serviço que a subsidiária vendida prestava e manter uma outra subsidiária sua (a Transpetro) contratada pela compradora, como operadora das atividades.
E mais.
Na mesma operação de venda-contração, garantir à compradora pagamentos periódicos fixos, quer haja transporte quer não haja (cláusula ship-or-pay), por um prazo de 20 (vinte) anos, ou seja, garantir rentabilidade prefixada mesmo num ambiente de crise econômica, para – repita-se – prestar o mesmo serviço que é prestado pelas subsidiárias da própria Petrobras (NTS e Transpetro), parece ser muito contrário à eficiência econômica.
Não fosse somente isso, o fato das estimativas de faturamento e lucro da NTS no período apontarem para a possibilidade dos compradores recuperarem todo o capital investido em menos de 1/3 do período total do contrato parece apontar para uma ainda maior lesividade da alienação, pois o negócio parece ser muito lucrativo e não haveria motivos para a alienação.
Num resumo, por que vender uma empresa que é da Petrobras, que presta serviços à Petrobras, para uma empresa estrangeira composta por fundos de investimentos britânicos e chineses, para que os serviços continuem a ser executados por ela e pela Transpetro?
Ou seja, parece que está a haver uma simples transferência de patrimônio público rentável a terceiros sem uma contrapartida justa para a vendedora e, frise-se, para os interesses nacionais.
Por outro lado, como já dito no outro processo, é no mínimo temerário vender ativos patrimoniais em momentos de crise econômica, em razão da depreciação que eles sofrerão por conta da situação de baixa do mercado, especialmente no caso de ativos da área do petróleo, produto estratégico para qualquer país, por ser o insumo básico da maioria esmagadora das demais indústrias.
Ainda que se possa alegar que se devem ser levados em conta os riscos do negócio e a dinâmica própria das operações empresariais, não me parece de acordo com a eficiência liquidar ativos tão caros — seja do ponto de vista econômico seja do ponto de vista estratégico — açodadamente e sem que se busque o melhor preço e a melhor oportunidade.
Especialmente no caso da Petrobras, há ainda o fato dela ser sociedade de economia mista e a União poder fazer aportes de capital se necessário, para eventual socorro à companhia, o que justificaria maior prudência na venda de patrimônio.
Além disso, em se tratando de uma subsidiária integral daquela, nada impediria, por exemplo, a abertura do seu capital na Bolsa de Valores e a venda de parte de suas ações, como meio de captação dos recursos financeiros que a empresa diz necessitar, pois isso seria um meio de se conseguir o dinheiro necessário (ou parte dele) sem se desfazer do controle da NTS.
Por outro lado, não se pode deixar de levar em conta o impacto que a alienação de NTS pode vir a ter na cadeia produtiva instalada no mesmo local, bem como nos empregos diretos e indiretos ali existentes, pois se a União pode bancar a manutenção de determinadas operações da companhia por questões de política econômica, como já o fez em passado recente, uma empresa estrangeira, como a que se apresenta como interessada na aquisição (constituídas por fundos de investimentos), pode simplesmente liquidar o negócio ou elevar os preços praticados, com prejuízos ainda não estimados para o país, a região sudeste e, o mais importante, para os milhares de seres humanos cujos empregos dependem direta ou indiretamente da NTS.
Sobre a legitimidade da ANP, parece que ela está presente, pois como agência reguladora do setor, ela deve ser chamada a intervir sempre que houver discussão judicial sobre questões afetas ao seu conjunto de atribuições, inclusive por conta de sua experiência técnica.
Sem mencionar que a venda da NTS diz respeito diretamente ao transporte de gás e a um termo de compromisso celebrado entre a Petrobras e aquela autarquia.
3. Decisão
Amparado em tais razões, defiro a liminar requerida e determino às rés (Petróleo Brasileiro S/A – Petrobras, a Agência Nacional do Petróleo – ANP e Brookfield Incorporações S/A) que suspendam a alienação da Nova Transportadora do Sudeste (NTS), até ulterior deliberação deste juízo, sob pena de multa igual ao preço da alienação para cada uma delas, exceto para a ANP, sem prejuízo de outras sanções, inclusive de ordem criminal.
Intimem-se as rés com urgência para cumprir a decisão liminar, a Petrobras através de sua representação em Sergipe.
Citem-se as rés para apresentar respostas no prazo de 20 (vinte) dias.
Intime-se a União para dizer se tem interesse no feito, no prazo de 5 (cinco) dias.
Intime-se o MPF para ter ciência de todos os termos do processo e para nele intervir como fiscal da lei.
Intimações necessárias.
Marcos Antônio Garapa de Carvalho
Juiz Federal