Todos diziam que a revelação das delações da Odebrecht seria um vendaval sobre o governo.
Ela (ainda) não veio, mas os ventos que a antecedem fizeram estragos evidentes no acampamento golpista, mesmo com a safra de notícias empurrando um “tout va bien, Madame La Marquise” da recuperação econômica, com um superavit das contas públicas visivelmente inflado e um desemprego que infla a cada mês.
O campo da política, porém, vai despencando com acontecimentos que surpreendem, não por incoerentes, mas por formarem um conjunto de “coincidências” , ainda que inesperadas.
O início do mês foi “bem”: a fácil eleição de Rodrigo Maia, a confirmação de Eunício Oliveira no Senado e, sobretudo, a dupla submissão política do Supremo (alguém notou como Cármem Lúcia “desapareceu”?) com a confirmação da investidura de Moreira Franco no foro privilegiado, digo, no Ministério e a aceitação do jurista de manual (e tacape) Alexandre de Moraes.
Já vinha chegando o recesso do Carnaval e veio o terremoto: renúncia de José Serra; recusa de Carlos Velloso em assumir a Justiça; a indicação de Omar Serraglio para o posto, um personagem que nem assumiu e está manietado por seu passado “cunhista” e, finalmente, o mirabolante episódio da “Mula do Eliseu”, que atira sobre todos uma história inteiramente inverossímil que trouxe um personagem infame – Lúcio Funaro – que estava restrito a Eduardo Cunha para dentro das belas colunas do Palácio do Planalto.
E, com ele entrando, a licença médica providencial mas aparentemente eterna, do articulador político que restava a Temer, desde que Geddel foi derrubado pelas inconfidências de Antonio Calero.
Até a inefável Eliane Cantanhêde, em sua coluna de hoje no Estadão, reconhece:
De repente, às vésperas do carnaval, altas personalidades da República ficaram doentes ou reclamaram de doenças incapacitantes e foram saindo de fininho tanto do governo quanto de um excesso de exposição nada recomendável numa hora em que o melhor é ficar transparente, perdido no meio da multidão. Durante as campanhas, “olhem para mim!”. Atualmente, “esqueçam de mim!”.
Aqui e ali, nos blocos de carnaval, ressurgiu um “Fora Temer ” que andava sumido. No campo da extrema-direita, há uma “bateção de cabeça” entre os grupos atucanados e o crescente bolsonarismo coxinha, que vai ao ponto de levantar a bandeira alucinada do ex-capitão do “armas para todos”. O ato do dia 26 de março tem menos adesão e mais brigas, cujo símbolo é o “barraco” Reinaldo Azevedo x Joyce ex-Veja Hasselman. O sempre marqueteiro Dória diz que não, mas é mais um que quer subir para os altos poleiros onde os grandes tucanos se bicam.
E a necessidade de “estancar a sangria” da Lava Jato e encontrar uma maneira de soltar Eduardo Cunha, antes que se lhe destrave a língua totalmente reduz as esperanças que se possa levar em frente, sem limites, a perseguição a Lula: afinal, as evidências da seletividade vão ser mais escandalosas do que já são, inclusive lá fora.
O governo não está liquidado por uma única razão: o poder de controle de Michel Temer sobre o Congresso ainda parece ser suficiente para que entregue a encomenda que dele se espera: a reforma da previdência, o pacote no qual o capital financeiro o quer de mula.
Se faltar-lhe força para entregar, foi-se.