Na minha opinião, ser de esquerda significa adotar valores com solidariedade, liberdade, igualdade, rejeitar todo tipo de preconceito e discriminação e abraçar a causa da justiça social. O compromisso com a democracia e a construção do socialismo também têm lugar cativo no ideário dos que se situam à esquerda do espectro político. Se nascemos em países pobres, em desenvolvimento ou da periferia do capitalismo, o anti-imperialismo é uma luta patriótica vital para a independência e soberania das nossas nações.
À luz dessas convicções, vejo com extrema preocupação as manifestações públicas recentes de duas figuras públicas do PSOL sobre a crise venezuelana : sua ex-candidata à presidência da República, Luciana Genro, e o deputado federal Jean Wyllys. Mas, de cara, faço uma distinção entre os dois : Jean é um parlamentar atuante , combativo e com uma extensa folha de serviços prestados à luta pelos direitos humanos. Já Luciana, em que pese sua verve pretensamente esquerdista, não é de hoje vem adotando posições que cairiam bem em qualquer militante da direita mais obtusa, tais como seu apoio incondicional a Moro e à Lava Jato, a defesa da prisão de Lula e seus aplausos à ofensiva das forças golpistas e ligadas ao imperialismo na Ucrânia e na Síria
No que diz respeito à Venezuela, apesar das diferenças de estilo e de contundência, ambos cometem um pecado comum : revelam-se incapazes de contextualizar a crise na Venezuela, o que está em jogo na disputa, a sabotagem da burguesia e o cerco imperialista. Por isso, acabam compactuando com a agressão diuturna ao governo legítimo de Nicolas Maduro.
No caso de Luciana, são ralas as diferenças entre sua avaliação sobre a crise e a do monopólio midiático de direita. No essencial, ela, Globo, Folha, Veja e Estadão pregam a mesma coisa e apontam saídas parecidas para o drama vivido pela República Bolivariana. Luciana inclusive dispensa ao sucessor de Chávez o tratamento de traidor da revolução bolivariana e diz que o país vive uma ditadura, simulando uma falsa crítica pela esquerda.
É evidente que o governo de Maduro comete erros e eles podem e devem ser objeto de críticas. Contudo, é preciso uma dose considerável de ignorância ou má-fé para deixar de fora da análise da crise venezuelana alguns elementos essenciais
1) São graves as ações de sabotagem econômica levadas a cabo pela burguesia da Venezuela, gerando desabastecimento, notadamente de alimentos e outros gêneros de primeira necessidade. A fome já assola o povo venezuelano mais pobre.
2) A agressão imperialista é cada dia mais explícita. O establishment político e econômico de Washington age a céu aberto em parceria com a oposição venezuelana, manejando suas peças e usando seu poder de fogo para aumentar o grau de instabilidade do governo Maduro. Os EUA patrocinam mais um golpe no continente.
3) O Congresso da Venezuela não debate e tampouco vota nenhuma medida que possa contribuir para o arrefecimento da crise e para minorar a penúria da população. A agenda exclusiva dos parlamentares é a participação ativa no cerco golpista a Maduro.
4) No âmbito do Mercosul, formou-se um bloco majoritário, integrado pelos chanceleres do governo golpista brasileiro, da Argentina do ultradireitista Macri, e do Paraguai, onde recentemente ocorreu também um golpe, para isolar a Venezuela e tentar expulsá-la do Mercosul.
5) Até agora a ruptura da ordem democrática na Venezuela só não se consumou devido à mobilização popular, à lealdade das Forças Armadas à Constituição e à defesa da legalidade por parte do Tribunal Supremo.
Diante de um quadro dramático como esse, que opõe um governo legítimo oriundo da soberania popular do voto a uma poderosa articulação reunindo donos de meios de produção, políticos golpistas e corruptos, mídia comercial e de direita, além da força do império norte-americano, não pode haver dúvidas quanto à posição do campo progressista e de esquerda. A história mostra que quem se alia aos inimigos do povo paga um alto preço.