São Paulo – Apesar da redução de 1 ponto percentual na taxa básica de juros, com a decisão do Comitê de Política Monetária de fixar a Selic em 10,25% em reunião encerrada nesta quarta-feira (31), os juros reais seguem entre os mais altos do mundo, comprometendo a retomada da economia e prolongando os efeitos da crise. A taxa de juros real pode ser calculada dividindo a taxa de juros nominal (a Selic) pela inflação para o mesmo período. Com a prévia da inflação anualizada em 3,77% para maio – de acordo com o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA-15), calculado pelo IBGE –, chega-se a uma taxa real de 6,24%.
Alguns dados mostram o impacto de tal índice. De acordo com estudo do Center for Economic and Policy Research (CEPR), think tank dos Estados Unidos, o pagamento de juros da dívida pública, que tem boa parte do seu estoque vinculado à Selic, correspondeu a 7,6% do Produto Interno Bruto brasileiro em 2016, o quarto maior entre 183 países.
Alardeadas pela equipe econômica do governo Temer como um sinal de que a economia se recupera e deixa o auge da crise para trás, a queda na Selic está diretamente ligada à redução no índice de inflação que, por sua vez, cai devido à queda no poder de compra da população, uma das consequências da crise.
Para a economista Regina Camargo, mantidas as atuais diretrizes de política econômica, com taxa de juros real que classifica como "absurda", e que atende apenas aos interesses dos grandes bancos e do mercado financeiro, não há perspectiva de saída para a crise.
Segundo Regina, da subseção do Dieese na Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf-CUT), esses grupos econômicos aproveitam a elevada dívida pública, financiada em condições muito ruins, sempre no curto prazo, para lucrarem milhões em aplicações financeiras remuneradas com elevadas taxas de retorno, o que transforma o Brasil num verdadeiro "paraíso para o rentismo".
"Enquanto isso perdurar, enquanto se tiver uma parte da dívida pública atrelada à Selic, e isso for motivos de ganhos para um restrito setor rentista, que é quem hoje manda no país, que dita o timing e o conteúdo das reformas da Previdência e trabalhista, dificilmente vamos ter taxas civilizadas."
Ela afirma que essa visão "ultraliberal" da equipe equipe econômica que reflete o interesse desses grupos financeiros acaba por acarretar graves distorções na economia que impedem a retomada do crescimento. "Dificilmente a economia vai voltar a crescer. Quem é que vai tomar crédito? Até para pegar um empréstimo pequeno, a gente faz contas, imagina um empresário que precisa de volumes maiores de recursos."
O cenário, de acordo com Regina Camargo, pode se agravar mais com as mudanças anunciadas pelo governo, que pretende substituir a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) por uma nova fórmula que deve encarecer o crédito para a produção. A alteração consta na Medida Provisória (MP) 777, que tramita no Congresso Nacional.
A economista destaca que a queda na inflação comemorada pelo governo, que ensejou a redução na taxa Selic, se deu ao custo da extinção de milhões de empregos. Com as taxas recordes de desemprego, a massa salarial se reduz, retraindo o poder de compra da população. Sem poder de compra, os preços caem.
"Essa é a fórmula que o governo encontrou de baixar a inflação: aumento dramático do desemprego e um choque recessivo brutal", afirmou Regina, para quem ainda não há qualquer sinal de que o pior da crise tenha ficado para trás. "Venceu-se o dragão da inflação a um custo altíssimo para o conjunto da sociedade e o sistema produtivo."
Por fim, ela explica que a atual política que privilegia os ganhos com a especulação financeira produz a concentração de renda. "Enquanto o rentismo dominar o comando da política econômica, dificilmente vamos ter crescimento com distribuição de renda, que melhore as condições de vida dos trabalhadores. Vamos ter, sim, aumento da concentração."