A Argentina viveu uma das mais terríveis ditaduras militares do continente. Estima-se que mais de 30 mil pessoas foram vítimas de desaparecimentos forçados. Desde a reabertura e o trabalho incansável de diversas organizações governamentais e não governamentais, a Argentina é também hoje um dos países com mais política pública de memória.
Muitos museus, comissões permanentes, ensino nas escolas e em cada canto das grandes cidades você encontra homenagens e lembranças aos seus desaparecidos. O exercício de lembrar para não repetir aqui é cotidiano.
Mas, há um pouco mais de um mês, o país ficou em choque com um desaparecimento forçado em plena democracia. A vítima, Santiago Maldonado, era um jovem artista de 28 anos, formado pela Universidade de Belas Artes de La Plata e que vivia da sua arte e de seus ideais. Militante anarquista, adepto à uma vida libertária, se encantou pela luta do povo indígena Mapuche no sul do país.
No dia 1º de agosto deste ano, Santiago participava de um protesto que exigia a libertação de um líder Mapuche na província de Chubut e, segundo testemunhas, quando a polícia reprimiu a manifestação de forma violenta, ele foi golpeado e levado à força pela mesma.
Alguns dias depois do desaparecimento, a Prefeitura Naval Argentina (que é uma força ligada ao Ministério de Segurança) fez um levantamento no local do conflito e, segundo um defensor público, foram encontradas evidências da presença de Santiago no território. Apesar disso, o juiz declarou em sentença que não há provas suficientes para ligar o desaparecimento de Santiago à repressão e ao uso da força pelos agentes policiais.
Nas semanas seguintes, as forças estatais fizeram uma busca na antiga casa de Santiago, ofereceram recompensas para quem o encontrá-lo, mas se recusavam a seguir adiante com os indícios de abusos policiais.
Amigos, familiares e testemunhas cobram incessantemente ações do governo para que se investigue o que aconteceu com Santiago e que ele possa retornar com vida para casa. Dezenas de movimentos, coletivos e organizações nacionais e internacionais denunciam a violência de Estado e cobram por esclarecimentos oficiais sobre o caso.
Além disso, as organizações reivindicam também a liberação dos presos políticos do movimento de resistência Mapuche e o fim da repressão e criminalização desse movimento. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos, a Anistia Internacional e organismos da ONU já exigiram explicações ao Estado Nacional da Argentina sobre o ocorrido. E, 15 dias depois de seu desaparecimento, Santiago foi incluído na lista de desaparecidos da Interpol.
Depois de todas os indícios, testemunhos e investigações, apesar da resistência do Ministério de Segurança em concordar e do silêncio ensurdecedor do presidente Macri, as organizações de direitos humanos apontam que Santiago Maldonado foi vítima de um desaparecimento forçado sob as mãos dos agentes policiais.
Manifestações e atos foram organizados desde seu desaparecimento e milhares de cartazes espalhados por todos os lados do país. No último 1º de setembro, Argentina vivenciou grandes marchas exigindo o aparecimento de Santigo Maldonado com vida. Estima-se que 40 mil pessoas foram às ruas em Rosário, 90 mil em Córdoba e na capital Buenos Aires cerca de 250 mil pessoas. Além disso, foram realizadas manifestações de apoio e solidariedade por todo mundo.
O desaparecimento forçado ainda é uma permanência autoritária nas democracias latino-americanas. Tivemos no Brasil, recentemente, o caso pouco elucidado de Amarildo Dias de Souza, também vítima de uma polícia ainda militarizada. Pipocam Santiagos e Amarildos desaparecidos no nosso continente, sobretudo, em países onde seus governos (eleitos ou não) se preocupam mais em liberar a economia do que garantir direitos ao seu povo. Em um contexto de tanto retrocesso, resistir é preciso. Por isso, perguntamos também: ¿Donde está Santiago?
Natália Cindra – socióloga e militante brasileira, vivendo em terras portenhas.