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É Lula versus o monstro quimérico

Fev 03, 2018

Por Gustavo Conde, no GGN                                                                          

 

Conde ao Diplomatique: "É Lula versus o monstro quimérico"

A confirmação da condenação de Lula pelo TRF-4 foi uma espécie de spoiler judicial: todos já sabiam e mesmo assim todos ficaram chocados. Não admira que uma emissora de televisão tenha antecipado o resultado da votação em algumas horas. A tabelinha entre o Judiciário e a imprensa no Brasil remonta aos velhos tempos de Pelé e Coutinho no Santos: enquanto um enfiava a bola, o outro já ia fazendo a resenha. Bons tempos do glorioso futebol sul-americano.

O tecido democrático brasileiro parece sofrer um ataque massivo de traças. Traças vorazes que passaram bons anos em incubação. A fome é tal que já não resta muito para consumir. Falta a previdência social e empresas públicas, trançados suculentos de puro algodão. As traças salivam de ansiedade.

Todo esse banquete não se completa nem se significa sem a simbologia do julgamento de Lula. O julgamento de Lula foi a senha para todos os movimentos que se assanham e se precipitam nesta puída e desbotada democracia.

A confirmação da condenação de Lula, ocorrida no último dia 24 de janeiro, portanto, reorganiza o campo eleitoral, pelo menos em tese. Ela era essencial para o segmento que alçou o poder via impeachment, fenômeno mais conhecido aqui no Brasil como “golpe”. É uma condenação que não comporta apenas uma leitura. Tal como a conjuntura política do Brasil, ela é complexa, ostenta cifras heterogêneas e desdobramentos difusos, no limite do imponderável.

A ruptura democrática e a morte do prognóstico

Uma das consequências que essa ruptura democrática trouxe ao Brasil, dentre tantas, foi a morte do prognóstico. É como se todo o regime de previsões reservados à esfera política fosse agora realizado por economistas, tal é a impossibilidade de acerto. Prever equivocadamente, no entanto, é uma arte e, tal como uma arte, enseja ponderações narrativas e fáticas.

Poder-se-ia dizer: de todo o acúmulo de prognósticos mais ou menos factíveis, outros cenários podem ser desenhados. A rigor, a previsão e o cenário vão do delirante e paranoico ao fleumático e conservador. A linha tênue que os separa é mais que tênue, é turva.

 

Descompassos narrativos e redes sociais

No Brasil, o anteparo que mais perturba a compreensão dos fatos políticos é o descompasso extraordinário entre a realidade empírica e a narrativa noticiosa da imprensa secular. São divorciados no papel e no religioso.

Decorre dessa separação o estado permanente de tensão social e de perturbação digital que grassa no território brasileiro. As redes sociais no Brasil não correspondem às redes sociais norte-americanas, europeias ou árabes. Aqui, há muito mais coisas entre o céu e a terra digitais do que pode imaginar a nossa vã e obsoleta filosofia comportamental do século XX.

O usuário de rede brasileiro gosta do tumulto, como sói significar no poema “Nosso Tempo” de Carlos Drummond de Andrade: “meu nome é tumulto”. E é um tumulto até certo ponto identificável e solidário às redes “estrangeiras”, nas suas ânsias de compartilhamentos e desovas de fakenews. Mas, é também muito mais do que isso.

No Brasil, a rede social – e isso é assaz relevante para se compreender o cenário que o julgamento de Lula impõe na conjuntura política brasileira – é a argamassa que edifica os muros e portais da compreensão pública. Ela medeia, sintoniza, codifica, filtra, legitima e dá qualquer consistência ao debate residual que nos permite ainda enunciar e tentar explicar o porquê de tanta convulsão institucional e arbítrio jurisdicional.

O pouco-muito – sic – que se enuncia via mídias sociais é o oráculo para se entender qual seja a reorganização política que vai, aos poucos, se desenhando no Brasil contemporâneo.

A rigor, a comprovação dessa tese é muito singela e, no fundo, quase simplória: as pesquisas de opinião realizadas pelos institutos de pesquisa alinhados com as mídias tradicionais corroboram não a leitura destas mesmas mídias tradicionais, mas, justamente, a leitura que emerge das mídias sociais, indomesticáveis e indóceis ao princípio do discurso único e homogeneizante.

Quis o destino que se configurasse aqui uma legião de espaços digitais formulados por jornalistas egressos – traumaticamente egressos – das mídias tradicionais, o que resultou numa dicção extremamente mais crítica e ácida se contraposta à narrativa bem comportada e oficiosa – e lenta e velha – da imprensa clássica.

Essa química que subjaz ao regime das informações e do debate acaba por caracterizar um volume de massa de textos sem precedentes. Isso amplia o escopo das múltiplas compreensões que costuram a leitura da realidade factual. Note-se que essa produção vertiginosa de textos tem qualidade e incomoda bastante a parceria sólida e duradoura entre a imprensa mainstream e governos de perfil neoliberal.

Mídia

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