Não sei bem como avaliar a longa matéria, na página 4 da Folha de hoje, assinada por uma tal Marina Dias e relatando conversa privada em que Lula teria dito que Fernando Haddad precisava estar "pronto para assumir candidatura".
A matéria é uma descrição minuciosa de uma reunião entre Lula e três amigos não nomeados, mas que comporiam "a correia de transmissão de poder" no PT. Se é isso mesmo, se a repórter teve acesso a um relato do círculo íntimo de Lula que prova, para além das especulações de sempre, que o ex-presidente já bateu o martelo no sempre negado "plano B", seria um furo importante. Então, por que a Folha não deu sequer uma chamada de capa?
Por outro lado, quem vazou o conteúdo da conversa? Uma reunião tão seleta não vaza sem que o informante corra o sério risco de ser descoberto. Lula estaria sendo traído por seus colaboradores próximos? A Folha teve acesso a uma escuta colocada na sede do Instituto Lula? Ou foi um vazamento deliberado, um balão de ensaio meio combinado com a jornalista, como é comum nas relações entre agentes do campo político e do campo da mídia? Nesse caso, a interpretação da matéria muda. A quarta hipótese, claro, é que seja um ensaio de ficção jornalística, gênero comum na imprensa brasileira.
O que não gera nenhuma dificuldade de interpretação é a frase inicial do texto, um belo exemplo da desonestidade e preconceito dos jornalões brasileiros. A reunião de Lula é descrita como um "encontro com três amigos e uma garrafa de uísque". Isso é um fato relevante, quase um escândalo, certamente porque os jornalistas da Folha de S. Paulo nunca bebem uma gota de álcool quando conversam com amigos. Por outro lado, quando relata reuniões de Temer com Meirelles, por exemplo, a mesma repórter nunca acha relevante descrever que tipo de líquido eles estavam consumindo.
Num país em que há alguns de quem é mais provável dizer que se encontraram com "três cúmplices e quinze gramas de pó", três amigos e uma garrafa de uísque não parecem ser problema.