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A esquerda e a paralisação dos caminhoneiros

Mai 25, 2018

Por Bepe Damasco                                                                                                                         

 


A complexidade da greve dos caminhoneiros fez com que eu aguardasse alguns dias para avaliar melhor o episódio. Mas ainda vale a tentativa de contribuir com o debate. Além de não ter vingado o acordo para a suspensão do movimento, Temer está convocando o Exército para desobstruir as rodovias na marra, o que equivale a tentar apagar fogueira com gasolina, conforme denunciaram  as centrais sindicais em nota publicada nesta sexta-feira, 25 de maio.

É tudo verdade:

1- Como cerca de 30% apenas dos caminhoneiros são autônomos, 70% trabalham para as grandes empresas do setor, ou para outras terceirizadas pelas maiores. Por isso, o movimento estava até ontem muito mais para locaute do que para greve de trabalhadores.Depois que as transportadoras fecharam um acordo com o governo e os caminhoneiros da base se negaram a cumprir, já não é possível cravar se é locaute, greve ou um pouco de cada coisa.

2- Os empresários do setor, que incentivam a paralisação para aumentar suas margens de lucro, estão se lixando para os baixos salários e as precárias condições de trabalho de seus empregados. A espoliação de toda a população brasileira, vítima da política antipovo de preços de combustíveis da Petrobras e do governo golpista, está longe de sensibilizar os donos das transportadoras.

3- Não se vê nenhum “Fora Temer” nos protestos dos caminhoneiros país afora (calcula-se que cerca de um milhão de caminhões estão parados), porque movimentos de caminhoneiros, no Brasil ou em outros países, costumam servir aos interesses da direita. O locaute de 2015, por exemplo, desfraldou a bandeira do golpe contra Dilma Rousseff de forma ostensiva.

Pode ser que sim, pode ser que não:

1- A pressa para apontar o movimento como um mero instrumento para a concretização de um golpe dentro do golpe, com a substituição de Temer por um governo respaldado pelo judiciário e pelos militares, não é boa conselheira. 

São tantos os interesses cruzados em jogo que soa simplista a aposta antecipada de que as eleições serão suspensas no embalo da implantação de uma ditadura escancarada..

2- O desabastecimento e a paralisação do país favorecem a direita na disputa eleitoral que se aproxima, na medida em que reforça o discurso da ordem e da necessidade de medidas duras para pôr fim à “baderna”.

Há sérias dúvidas quanto a essa previsão  porque a memória política recente das pessoas alcança o governo Lula, período em que o povo vivia incomparavelmente melhor.

3- Temer, mesmo caindo de podre, usará a situação caótica vivida pelo país para ampliar a intervenção militar no Rio e expandi-la para outros estados.

Será mesmo que o ilegítimo reúne cacife político para tacada tão ousada?

Não é verdade:

1- Que todos os caminhoneiros envolvidos na paralisação sejam irreversivelmente de direita. Ali tem de tudo: desde gente que apoiou o golpe e se arrependeu a bolsonaristas empedernidos, passando por simpatizantes de Lula e da esquerda e uma grande maioria de alienados políticos, que quando se posicionam o fazem ao sabor das circunstâncias.

Cabe aos partidos de esquerda e aos sindicalistas combativos a disputa da narrativa com os conservadores e com a mídia monopolista. Se o conjunto dos brasileiros e brasileiras que apoiou o golpe for visto pela esquerda como caso perdido, aí rumaremos para o isolamento.

2- Que a eventual derrota do locaute signifique a vitória da população ordeira e trabalhadora, que só quer viver em paz com suas famílias.

Com os preços dos combustíveis subindo para satisfazer os acionistas estrangeiros da Petrobras, daqui a pouco nem direito a um passeio de carro com os filhos nos fins de semana e feriados a classe média baixa e os pobres remediados terão mais.

3- Que a massa de caminhoneiros, por estar exclusivamente voltada para a redução do preço do diesel, ignora por completo os preços escorchantes do gás de cozinha e da gasolina.

Por mais que priorizem seus pleitos corporativos, eles acabam, por tabela, dando enorme visibilidade à questão dos aumentos absurdos dos combustíveis.

Conclusões

1) A esquerda tem tudo para sair ganhando dessa crise. Mas é preciso saber aproveitar a bola quicando embaixo das traves. O povo, mais do que nunca, sente na carne os estragos sociais causados pelo ultraneoliberalismo golpista, cuja lógica de mercado exclui o ser humano de suas preocupações.

2) As forças democráticas e progressistas devem insistir no discurso de que a Petrobras, empresa pública de importância fundamental para o desenvolvimento do país, deve definir seus preços a partir da combinação de três variáveis : a economia, o consumidor e os acionistas. Mas a quadrilha que governa o Brasil trata a Petrobras como se fosse uma empresa privada qualquer, com sua política de preços limitada à cotação internacional do barril de petróleo, à oscilação do dólar  e aos ganhos dos acionistas, principalmente os de fora do país. A entrega do pré-sal e a venda de ativos da empresa completam os preparativos para a privatização total da Petrobras.

3) Há um grande potencial para que uma ofensiva da esquerda viceje e dê frutos no curto prazo. O entreguismo de Temer tem que ser exaustivamente denunciado como a causa não só do caos nas áreas de transporte público e da oferta de alimentos, conseqüência direta da crise dos combustíveis, como também de todas as mazelas sociais, econômicas e políticas que se abatem sobre o povo brasileiro.

 

 

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