O juiz da Lava Jato Sergio Moro ficou incomodado com a audiência do jornalista Fernando Morais no processo em que Lula é acusado de receber propina de empreiteiras associadas à Petrobras. Parte da denúncia coloca em xeque as palestras que Lula fez, em parte, com patrocínio empresarial.
Morais, que vem escrevendo um livro sobre o ex-presidente, contou a Moro que acompanhou Lula em 18 viagens internacionais. Em uma delas, a Londres, Lula recebeu a visita de Bono Vox, ocasião em que foi comparado pelo cantor a Nelson Mandela. Moro ficou incomodado com os elogios e taxou os relatos do jornalista de propaganda inadequada.
Por volta dos 11h40 do vídeo, Moro começa a demonstrar impaciência com o depoimento de Morais e pede para que o jornalista seja mais breve e objetivo nas respostas. "Com todo o respeito, não precisa se alongar nas histórias."
Na sequência, a defesa de Lula emenda uma pergunta sobre um episódio em especial, o encontro com Bono Vox em Londres.
"O presidente foi a Londres convidado para fazer palestra para empresários. Às vezes ele ia convidado por empresários e às vezes por trabalhadores [na África do Sul, o convite partiu de sindicatos]. (...) Depois do almoço, estávamos no hotel conversando e chegou Bono Vox para fazer visita a ele. Conversaram. Na hora em que o Bono Vox foi embora, o presidente perguntou se eu poderia fazer a delicadeza de acompanhá-lo até a saída do prédio. Eu disse sim. Havia ali uma centena de repórteres, mais por causa do Bono do que por Lula. Os repórteres perguntaram para ele o que achou da conversa com Lula. E Bono disse uma frase que ficou muito marcada na minha memória, que foi a seguinte: Depois da morte de Nelson Mandela, só existe no mundo uma pessoa capaz de juntar ricos e pobres, petros e brancos, gordos e magros. E essa pessoa se chama Luiz Inácio Lula da Silva. Por se tratar não de um cientista político nem de um teórico mas cantor de rock, aquilo me impressonou muito", respondeu Morais.
"Mas essa questão é relevante para o caso por qual motivo?", perguntou Moro. O advogado Cristiano Zanin respondeu: "Nós estamos falando da reputação de um acusado."
Moro retrucou: "Não, não estamos falando de reputação. Existe uma acusação a ser julgada... Não é apropriado [ceder espaço a elogios para Lula]", anotou Moro.
O juiz ainda disse que "a defesa pode fazer essas questões meritórias em relação ao ex-presidente fora do processo, não precisa ser aqui, em audiência. (...) Essa questão não tem nenhuma relevância para o julgamento", cravou Moro.
Zanin tentou argumentar que a questão era importante para o processo porque as palestras que Lula deu ao redor do mundo estão diretamente ligadas à sua credibilidade e reputação, e perguntou a Moro se ele estava incomodado com algo. "Não incomoda, doutor, só acho que o processo não deve ser utilizado para esse tipo de propaganda. "
Sentindo-se ofendido, Fernando de Morais pediu para usar a palavra, ao que Moro, duramente, respondeu: "Não, o senhor responde as perguntas que forem feitas."
O jornalista obedeceu mas, visivelmente, indignado, voltou à baila com a questão da "propaganda" e "repudiou" a fala de Moro. Morais reforçou que seu trabalho, em parceria com a editora Companhia das Letras, é jornalístico e sério, muito longe de ser "chapa branca". Ele afirmou que não colocaria em xeque uma carreira sólida e de mais de 50 anos no jornalismo para fazer "propaganda" de um ex-presidente.
No depoimento, o jornalista ajudou a desmontar as acusações da Lava Jato em Curitiba.
Ele relatou que Lula proferiu, de fato, todas as palestras que foram solicitadas no exterior. Morais afirma que, para seu livro, fez o registro em áudio e vídeos e acompanhou todos os eventos.
O jornalista também afastou a ideia de que Lula usava as reuniões com autoridades estrangeiras para praticar tráfico de influência, afirmando que acompanhou o petista em todas as conversas com chefes de Estados e outros poderosos e, em nenhum momento, foi solicitado a ele que se retirasse do local dos encontros.