"Fui demitido por posicionamento político", diz professor
Por Adriana Mendes, na Revista Fórum
As escolas particulares da cidade de São Paulo paralisaram duas vezes em maio pela manutenção dos direitos dos professores e contra a Reforma Trabalhista. No dia 23, foram 42 escolas e, no dia 29, a mobilização atingiu 103 escolas do ensino privado. Para que o movimento acontecesse foram feitas algumas reuniões entre professores e familiares dos alunos. Mas apenas em escolas que apoiavam a paralisação. O apoio das famílias e alunos do ensino médio foi fundamental para a categoria dos docentes do ensino privado.
Mas como esperado, as represálias começaram. No dia 14 de junho, Ricardo D’Addio, 54 anos, professor de Biologia no Colégio Bandeirantes, há quase 20 anos, foi demitido. No meu primeiro contato com Ricardo D’Addio, para confirmar a informação sobre sua demissão e marcar entrevista, a resposta foi bem-humorada. “Quando você quiser, agora tenho todo o tempo livre.” Ativista, conversou com alunos e outros colegas sobre o que estava acontecendo e chamou a todos para participar. “Fui demitido por posicionamento político e isso será cada vez mais comum no Brasil, se continuar do jeito que está.” O Colégio Bandeirantes divulgou nota de apoio, mas não permitiu que os professores faltassem nos dias de aula. “Fui agredido verbalmente e, por pouco, fisicamente, dentro da escola, antes mesmo da paralisação e mesmo sem eu ter incitado a paralisação dentro da escola”, conta D’Addio.
Muitos alunos nem sabiam do que se tratava o movimento ou mesmo que estava se preparando uma greve, mas D’Addio explicava a importância desse momento e da manutenção desses direitos, inclusive, para o futuro de seus alunos. A demissão pegou a todos de surpresa, familiares e alunos, que o consideram um dos professores mais queridos e “gente boa”.
Rafaela* tem 15 anos e teve conhecimento da primeira paralisação por D’Addio. “Depois um ex-professor meu estava entregando panfletos em frente ao Bandeirantes, incentivando os alunos a participar. O D’Addio falava em todas as salas em que dava aula sobre a paralisação, explicava todos os motivos. Muita gente não sabia o que estava acontecendo. Se dependesse da diretoria, ninguém ficaria sabendo de nada.” Rafaela foi à segunda manifestação, ouviu os posicionamentos no Sinpro (Sindicado dos Professores). “Tiveram opiniões bem interessantes sobre as reivindicações, gostei de ter ido.”
Sobre a demissão do professor a escola não disse nada para os alunos. “Demitiram na época de provas finais, assim ninguém conseguiu se despedir dele. É só minha opinião, mas acho que se a escola estivesse agindo legitimamente, despedido por um motivo válido, não teriam por que nos privar de uma despedida adequada. Parece que o intuito foi reprimir um possível alvoroço ou simplesmente nosso direito de questionar o que estava acontecendo”, considera Rafaela.
“Alunos de outras escolas estavam distribuindo panfletos em frente ao Bandeirantes, mas a maioria não deu muita bola”, conta Felipe*, 15 anos. Em relação à repressão aos professores, Felipe acha errado. “Os professores deveriam ter a liberdade de escolha para poder protestar sem serem reprimidos, uma vez que a Reforma Trabalhista tiraria direitos dos professores também. A escola deveria pensar na profissão.” Quanto à demissão de D’Addio sente que a maioria dos alunos nem pode se despedir. “Foi bem triste, ele era um professor que eu gostava muito e que todos os alunos gostavam, explicava muito bem a matéria.”
Luciana*, 15 anos, soube de boatos que o professor seria demitido e viu uma postagem nas redes sociais do próprio professor, comunicando que estava sendo repreendido por se manifestar. Da primeira manifestação, não teve conhecimento. Participou da segunda manifestação em apoio a todos os professores. “Mas principalmente em apoio ao D’Addio. Achei tudo muito estranho”. No dia da segunda manifestação, alunos de outas escolas fizeram panfletagem. Luciana foi com Rafaela e mais um aluno do Colégio Bandeirantes, que manteve aulas normais nos dias de protesto. “Fiquei chocada com a posição do diretor em não deixar o professor se manifestar, falar o que pensa e nos dizer o que está acontecendo.” Luciana está decidida a formar um grupo e ir até a direção saber o porquê da demissão. “Demitir em época de prova foi estratégia, logo depois entramos em férias e fica mais difícil juntar todos os alunos”, completa a estudante.
Ao tentar contato com o Colégio Bandeirantes, a assessoria de imprensa disse não poder dizer o motivo da demissão, que foram pessoais e divulgar poderia constranger o professor. Enviaram e-mail da Carta Aberta em apoio aos professores e que manterão “os benefícios”, porém não permitiu que a categoria fosse participar dos atos.
Qual o motivo de manifestação?
A convenção coletiva entre professores e escolas privadas de São Paulo existe há 20 anos e, anualmente, os ajustes são negociados. Porém, o acordo que deveria ser assinado no dia 18 de março, ficou pendente.
Os presidentes do Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino no Estado de São Paulo (SIEEESP) e do Sindicato dos Professores de São Paulo (SinproSP) chegaram a um consenso e fizeram a proposta em assembleia, mas a maioria dos donos das escolas recuou e Benjamin Ribeiro da Silva, presidente do SIEEESP, negou que tivesse acertado uma proposta. A entidade patronal se diz aberta à negociação, mas também diz não retroceder quanto aos pedidos da categoria, o que parece bem contraditório.
O que os donos de escolas não contavam é que os professores teriam tanto apoio dos alunos e seus familiares, que formaram um grupo com representantes de 40 escolas: Famílias Interescolas em Apoio aos Professores. Elena Olasek, com filhos no Colégio Santa Cruz e na Escola Alecrim, conta que o início dessa mobilização se deu há um ano, na ocasião da greve geral. “Um grupo de familiares do Santa Cruz atacou a direção por apoiar a greve geral. Outro grupo se mobilizou rapidamente, com cartas, abaixo assinados e entrega solene para o diretor, manifestando nosso apoio enquanto famílias.”
No dia da greve a Escola Alecrim organizou um debate entre direção, professores, famílias e crianças, para falar sobre reforma trabalhista e terceirização e histórico de greves. “Quando soubemos que não houve acordo e que os professores estavam se preparando para atos, decidimos apoiá-los no que decidissem, na manutenção da convenção coletiva. O engajamento foi se alastrando cada vez mais, o Interescolas tomou uma proporção enorme, com trabalho em rede e um encontro importante no Colégio Equipe com as famílias das outras escolas”, conta Elena. O movimento culminou no dia 29 de maio. “Para os adolescentes foi muito marcante estar pela primeira vez numa manifestação, ao lado das mães e professores, foi um ato muito civilizado e civilizatório. As crianças perceberam a importância da sociedade estar junta, discutindo política”, completa.
O grupo continua firme, trocando diversas informações sobre educação, sindicalismo e vendas de escolas que já começaram. Decidiram continuar juntos para fortalecer cada vez mais o movimento.
Despedida Virtual
SOBRE PROFESSORES E SEUS ALUNOS
Professores assumem um sério compromisso com seus alunos, querem fazer o melhor para eles, mesmo que isso lhes custe muito mais trabalho, horas extra de dedicação em casa na preparação do curso e das aulas. Mesmo durante férias e finais de semana o professor pensa quase que continuamente em como melhorar suas aulas, em um novo modo de apresentar aquele assunto que sabe ser difícil ou que não desperta muito interesse nos alunos.
Um professor vê oportunidade para novas discussões, melhorias em suas aulas e mais conhecimento para seus alunos a cada novo livro, a cada filme que assiste, a cada jornal e revista que lê.
A mente de um professor trabalha continuamente na tentativa de aperfeiçoar suas técnicas de ensino e seu conhecimento.
A grande maioria das fotos que tiro em minhas viagens tem como objetivo inicial a utilização em minhas aulas, mesmo sabendo que menos de 0,1% serão, de fato, aproveitadas para esse fim.
Mas acima de tudo o professor gosta de seus alunos e desenvolve afeto por eles, por isso sempre faço questão de celebrar com meus queridos alunos os últimos momentos de nossa relação escolar.
Como tradição faço uma despedida no último dia de aulas, que é bastante emotiva em todas as turmas, afinal tivemos um ano de convivência, nem sempre fácil, mas também com muitos ganhos, para ambos os lados.
Dessa vez me ceifaram o direito de cumprir, até o final, o compromisso que assumi com meus alunos e, pior ainda, me ceifaram o direito a uma despedida com cada turma, o direito aos abraços calorosos e sinceros, às fotos, aos sorrisos e até aos braços-de-ferro (brincadeira, não ia rolar porque já me aposentei dessa brincadeira!).
Aos cidadãos, cidadãs e queridinhas, um grande abraço e muitas a todos.
Eu continuarei, lá fora, o que eu estava fazendo!
(Só meus alunos entenderão as linhas finais)
Ricardo D’Addio
(junho de 2018)
*Os nomes dos alunos foram trocados para preservar suas identidades, pois eles também temem retaliações