É importante reconhecer a complexidade do imbróglio causado pela decisão da Executiva Nacional do PT de construir um acordo com o PSB envolvendo 11 estados e que implica no não lançamento de candidatura presidencial por parte do PSB, que também se absterá de apoiar oficialmente qualquer postulante ao Palácio do Planalto.
Além da reciprocidade de apoios a candidatos dos dois partidos nos estados, o acerto prevê a retirada do pré-candidato ao governo de Minas Gerais pelo PSB, Marcio Lacerda, e da vereadora petista Marília Arraes ao Palácio do Campo das Princesas, sede do Executivo de Pernambuco. Com ambos fora do páreo, a ideia é facilitar a reeleição dos governadores Fernando Pimentel e Paulo Câmara.
Noves fora o ranger de dentes e os xingamentos que inundaram a internet desde que a aliança foi anunciada, antes de entrar no debate propriamente dito, cabe reconhecer a existência de bons argumentos dos dois lados da polêmica. Sem a emoção exacerbada que tem marcado esta discussão, é possível enxergá-los.
A brava e aguerrida militância do PT de Pernambuco, estado com rica tradição de luta política e social e um dos mais importantes redutos da esquerda nacional, enfatiza o governo ruim de Câmara e sua adesão ao golpe de estado como elementos mais do que suficientes a justificar o lançamento de uma candidatura própria. Esse argumento é reforçado pelas pesquisas que mostram Marília com chances reais de vitória em outubro.
O fato de Câmara ter apoiado o golpe contra a presidenta Dilma, chegando a exonerar secretários para que reassumissem suas cadeiras na Câmara dos Deputados, para votar em favor do impeachment sem crime, também contribuiu fotemente para sua rejeição por parte da maioria esmagadora da direção e da base militante do PT no estado.
Já a cúpula petista, conforme nota assinada pela presidenta Gleisi Hoffmann, defende o acordo como uma necessidade imperiosa para impedir o isolamento da candidatura de Lula, além de se constituir num movimento fundamental em direção à recomposição do bloco formado pelos partidos de centro-esquerda, visto como essencial para a retomada do projeto democrático e popular atropelado pelo golpe. A nota da Executiva do PT sobre tática eleitoral sublinha ainda que Câmara, Capiberibe e Ricardo Coutinho, governadores nordestinos do PSB, trabalham para afastar os conservadores do PSB, com o objetivo de fazer o partido retornar ao seu leito progressista, se somando prioritariamente às forças de esquerda.
Na minha visão, são capengas as avaliações sobre o caso pernambucano que não levam em conta o quadro de excepcionalidade, e por que não, de dramaticidade no qual ocorrerão as eleições. O maior líder popular da história do país, e que se mantém disparado à frente de todas as pesquisas, amarga há cento e tantos dias o cárcere em Curitiba, feito preso político justamente para que não vença sua terceira eleição presidencial. Enquanto isso, a bandidagem que está no governo saqueia literalmente o país e rouba os direitos mais comezinhos do povo.
Então, reflitamos: tudo que os nossos inimigos na mídia monopolista e nas instituições corrompidas do Estado querem é nos ver isolados, para repetir à larga que não fomos capazes de agregar nenhuma força política do nosso campo. E mais: defender ao pé da letra que não podemos nos aliar eleitoralmente nem mesmo a um partido de trajetória progressista, que, claro, cometeu um grave erro apoiando o golpe, significa optar pelo gueto.
Para os ativistas de esquerda que julgam valer a pena acender uma chama perto de um paiol de combustível, e vão para as redes sociais insuflar a revolta contra o PT, chamo a atenção para o óbvio: é preciso ganhar as eleições e retomar a geração de empregos, a política de valorização do salário mínimo, anular a reforma trabalhista e demais leis que surrupiaram direitos da classe trabalhadora, voltar com o regime de partilha do pré-sal (passaporte para o futuro do povo brasileiro), reincluir os pobres no orçamento, investir pesado em programas sociais e em projetos sustentados de desenvolvimento com inclusão social, além de recuperar a política externa ativa e altiva da era Lula/Amorim.
E neste sábado o PT provavelmente colherá o primeiro fruto do acerto com o PSB, com o ingresso formal do PCdoB na chapa presidencial encabeçada pelo partido, através da indicação de Manuela D’Ávila como candidata a vice. Sim, porque o entendimento com o PSB era a premissa do PCdoB para compor a coligação.
É verdade que o acordo com o PSB tem dois fios soltos, um de caráter político, outro mais relacionado à esfera pessoal:
1) Faltou o PSB aderir formalmente à coligação com o PT, o que aumentaria o tempo de TV de Lula, ou de quem ele indicar, reforçando a musculatura da candidatura petista. A presidenta do PT, entretanto, diz que durante as negociações todos os esforços feitos neste sentido esbarraram no argumento do PSB segundo o qual a opção formal por uma candidatura implodiria o partido. Então, era pegar ou largar.
2) Embora os dirigentes petistas insistam que Marília foi avisada das tratativas, penso que teria sido conveniente Lula tê-la chamado a Curitiba para, olho no olho, resolver o problema, lembrando-lhe do futuro brilhante que tem pela frente. Essa conversa poderia inclusive resultar num pacto para que a vereadora do Recife fosse a puxadora de legenda para federal no estado, com o compromisso de sair candidata ou à prefeitura da capital pernambucana, em 2020, ou ao governo, em 2022.
Em que pese seja de importância inegável a ocupação dos governos estaduais pelo PT e partidos de esquerda, as duas eleições de Lula e duas de Dilma dissiparam quaisquer dúvidas quanto à constatação de que é governando a República que se melhora efetivamente a vida do povo. Por fim, para zelar pelo nível do debate que se trava nas redes sobre o assunto, um lembrete: até as cinco pontas da estrela vermelha do PT sabem que todas as negociações foram incentivadas e conduzidas por Lula. Não vale, portanto, sair atirando na "direção traidora do partido."