Um aniversário transcorre hoje, com um número de forte simbologia, 64.
É o número de anos que nos separa do 24 de agosto no qual Getúlio Vargas disparou o único canhão que possuía para defender o voto, a soberania popular e nacional: o pequeno revólver calibre 32 com que se fez sair da vida para entrar na história.
Também dele, Vargas, se ouvia de Carlos Lacerda o mesmo que se escuta agora da nossa UDN de toga:
“O Sr. Getúlio Vargas, senador, não deve ser candidato à presidência. Candidato, não deve ser eleito. Eleito não deve tomar posse. Empossado, devemos recorrer à revolução para impedi-lo de governar.”
Lula não meteu uma bala no coração, como Vargas, mas renunciou à própria liberdade, provisoriamente, recusando todos os acordos que lhe fizeram sussurrar para que deixasse de se candidatar e permitisse a “vitória” de um candidato do sistema.
Suas armas, para defender-se e defender o povo a quem serve são apenas duas: a memória do brasileiro e seu enorme estoicismo pessoal.
Na redemocratização, a memória de Vargas ainda era tão forte que se precisou garantir que a sigla PTB – que a ele se associava como a de Lula se associa à do PT (e não é outra a razão de Ibope e Datafolha terem registrado simpatias recordes pelo partido) – fosse entregue a acomodados com a ditadura, até acabar-se na tragédia de hoje, dos Jeffersons e Cristianes de donos.
A de Lula é mais forte, mais recente. Mais intensa, portanto, e mais decisiva num processo eleitoral.
Do lado da sua resistência pessoal, o Brasil inteiro é testemunha. Até seus adversários o encaram com uma mescla de ódio e medo. Perceberam que não podem quebrá-lo; ao contrário, tudo o que conseguiram foi associar sua imagem a de um mártir e multiplicar seu tamanho com um raciocínio simples: se é tão culpado de tantas coisas que dizem, por que tantos o apoiam?
Pessoalmente tão diferentes, o que aproxima tanto as duas figuras é terem sido, ambos, personagens moldados muito menos por suas ideologias e muito mais pelos glauberianos “poderes do povo”, que neles personificou suas esperanças e seu desejo de sermos um país.
Nenhum dos dois foi um radical esquerdista.
Mas ambos despertaram o radicalismo da direita contra si, política e pessoalmente.
Procuradores e juízes da Lava Jato e sua República de Curitiba em tudo se assemelharam aos coronéis da República do Galeão.
A tragédia de 1954 também é semelhante ao que se passa em 2018.
Aquela evitou o fim da democracia com uma única bala. Esta, com uma única arma: o voto.