Não há análise sobre o processo eleitoral brasileiro que possa estar correta se não partir de uma premissa: a de que temos eleições anômalas, onde a disputa livre entre candidatos, partidos e projetos pudesse ser a base da definição do voto da população.
Ao contrário, o que temos é um processo onde a realidade eleitoral tem de romper as amarras que se impuseram e escorrer por caminhos que não são os naturais, apenas os possíveis.
O processo de demolição judicial de partidos e políticos, já se vê, devastou mais à direita do que à esquerda, pois nela encontrou uma rocha de grandes dimensões e solidamente presa ao chão popular: Lula, que apesar de preso e silenciado, segue no comando de uma imensa massa eleitoral, da qual todos tratores judiciais não conseguiram arrancá-lo.
Na direita, porém, a devastação deixou de pé apenas sua expressão mais tosca que, apesar dos acontecimentos infelizes de que foi vítima, só na cegueira do ódio ideológico e social consegue se sustentar.
Desde há muito tempo este blog, inclusive contra a opinião de boa parte do comando do PT, sustenta que haveria o descarte do PSDB (malgrado seu latifúndio de TV e de alianças) e que Haddad x Bolsonaro será o embate final das eleições, que só o artificialismo imposto pela Justiça, inclusive a eleitoral, impedem que seja resolvido no primeiro turno ou que, pelo menos, nos faça chegar ao segundo com um quadro de favoritismo claramente delineado para a a esquerda.
O cientista político Antonio Carlos de Almeida, um dos mais respeitados analistas de pesquisas de opinião pública, resume assim o quadro, em análise publicada no Jornal GGN:
“Marina fora do jogo; Ciro indo na mesma direção, só uma questão de tempo. Alckmin na UTI e Bolsonaro saudável. Haddad com passaporte carimbado para o segundo turno.”
E ressalta fatos que, aqui, tenho cansado de apontar, usando os dados do Datafolha.
(…)Haddad vai crescer muito mais. Olhe que ele tem somente 20% no Nordeste, quando dobrar isso terá um impacto de 5 pontos percentuais na votação nacional. Outra coisa, dentre os mais pobres Haddad está empatado com Bolsonaro. Brevemente Haddad estará com uma vantagem monumental sobre ele nesse segmento.
Ainda não estão disponíveis os dados sobre o conhecimento de que Fernando Haddad é o candidato apoiado por Lula, estratificados por região e classe de renda. Pelos números da pesquisa realizada quatro dias antes da última rodada, há segurança para afirmar que mal cheguem (se tanto), ainda, à metade nos segmentos de baixa renda (menos de 2 SM) e no Nordeste, onde eram 27% e 37%, respectivamente.
Os dados estão muito claros e mesmo denúncias espetaculares dificilmente terão o poder de mudar a tendência, pois, como nos versos do Chico Buarque, “de muito usada a faca já não corta“, ou não muito mais.
A dúvida que resta é quanto, além do eleitorado tão cheio de ódio contra o PT que não daria o voto a qualquer candidato com o apoio do partido, o perfil extremista de Jair Bolsonaro – difícil de apagar, a esta altura – pode descer goela abaixo do igual contingente dos que são apenas críticos ou decepcionados com o petismo.
A construção do fanatismo tomou um aspecto tão apavorante que dificilmente isso ocorrerá em escala suficiente para vencer e o “empate técnico” em simulações de segundo turno mostram ainda mais desconhecimento que tendência.
Neste momento (e sempre mais, adiante) parece que Fernando Haddad assumirá a integralidade, ou quase, da votação que teria Lula, não fosse a anomalia destas eleições.
Anomalia docemente aceita pela mídia, inclusive nas pesquisas, que nos impede de saber o tamanho da rocha que ele representa, senão por seu reflexo em Haddad.
Tudo indica que, até por seu temperamento pessoal, Haddad não incorrerá no erro de permitir a rejeição pessoal que a direita tentará, nestes dias finais, criar-lhe.
E novamente acho que isso influiu muito na escolha de Lula.