Em abril de 2018, quando a ministra do STF, Rosa Weber, sustentou o tal “princípio da colegialidade”, para afirmar que, quanto ao mérito das ações de controle concentrado de constitucionalidade, não era favorável à prisão após julgamento em segunda instância, mas no caso do habeas corpus do ex-presidente Lula votaria contra, causou espanto e repúdio no meio jurídico. Parecia, de fato, incompreensível que uma magistrada abrisse mão de seu pensamento jurídico-filosófico, para fazer uma abordagem decisória diferente no caso concreto, sobremaneira por se tratar da iminência de uma prisão. Na prática, ela reconheceu ser inconstitucional executar a pena de um réu antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, mas negou o pedido, para compor maioria a favor da prisão imediata do ex-presidente.
Situação análoga ocorreu no último dia 25 de junho, no voto do ministro Celso de Mello, no habeas corpus que tratava da suspeição do ex-juiz Sérgio Moro. Ao votar contra a concessão da cautelar, o ministro afirmou, mais de uma vez, que isso não comprometia sua posição de mérito, cujo voto está pronto.
Sendo verdadeira a possibilidade que ele decida, no mérito, diferente da cautelar, sua posição assume gravidade muito maior do que o caso da ministra Rosa Weber.
Imaginemos um juiz que sabe que um cidadão se encontra preso ilegalmente há mais de 400 dias, em decorrência da sentença proferida por um juiz suspeito. Suponhamos que tenha fundamentado isso em um voto denso, de centenas de páginas, como lhe é costumeiro. Mesmo assim, ele vota, em sede de liminar, para manter a prisão, até um dia – que não se sabe qual – em que o tribunal aprecie o mérito do habeas corpus, para que ele possa finalmente apresentar suas profundas razões, que dirão os porquês de reconhecer a parcialidade do julgador de piso e, portanto, a nulidade da sentença e a injustiça da prisão.
Parece fazer algum sentido?
Em tempos de operação Lava Jato, na linha do que se tornou o Poder Judiciário nos últimos tempos, para manter o ex-presidente Lula preso, alguns ministros do Supremo Tribunal Federal parecem dispostos, inclusive, a criar ou apoiar-se em teses estapafúrdias, que não resistem a uma simples contradição. Teses que podem até servir de base em momentos e circunstâncias outras, que não esteja em questão uma restrição drástica a um direito fundamental de um cidadão.
Se alguma credibilidade assiste ao princípio da colegialidade, como forma de garantir segurança jurídica, bem como ao da necessidade de cautela e avaliação mais profunda da suspeição de um juiz de primeiro grau – e pode-se reconhecê-los como pressupostos legítimos em determinadas realidades efetivas – nenhum deles pode subsistir, no entanto, quando o que se sacrifica é a liberdade de um indivíduo. Esse é um valor máximo, cuja retirada por intervenção do poder estatal só pode ocorrer quando efetivamente necessário e com prova de culpa.
A manutenção da prisão de Lula é um escárnio. Um tapa na cara da democracia, agredida pelas provas divulgadas da parcialidade e conluio entre o Ministério Público que o acusara e o juiz que o prendera, ambos por convicções políticas sequer disfarçadas. Nesse sentido, quaisquer supostas complexidades de cunho jurídico, que não busquem a objetividade do estado democrático, como mais altiva expressão do resguardo do direito à liberdade do indivíduo, será apenas uma tentativa frustrada de retórica, que não serve à civilização humana.