1) Entro no debate travado pela oposição de esquerda a Bolsonaro acerca da constituição de uma frente de esquerda ou de uma frente democrática ampla fazendo uma ponderação sintetizada por uma única palavra: depende.
2) Penso que sejam, na verdade, movimentos não excludentes entre si, como bem definiu Fernando Haddad, em resposta a um artigo assinado por João Filho, no The Intercept, no qual o partido fora acusado de “se recusar a dar as mãos na hora de defender o país.” Twittou o ex-candidato a presidente da República: “O PT dá a mão a progressistas na defesa dos direitos sociais, ambientais e trabalhistas e dá mão a democratas na defesa de direitos civis e políticos.”
3) Quando insiste em atacar um inocente preso, desconsiderar todos os crimes da Lava Jato e descartar a adoção da bandeira política “Lula Livre”, Ciro Gomes dá mais uma demonstração de que aderiu ao antipetismo mais rasteiro. Por isso, a frente preconizada por ele é aquela hegemonizada pela direita liberal. Chega a ser cômico e patético o esforço de Ciro para posar como militante da esquerda.
4) O PT tem o direito, e até o dever, de não se submeter a vetos e censuras relacionados à luta pela libertação do ex-presidente Lula, corretamente considerada como central pelo partido para o resgate da democracia. Isso quer dizer que o PT não participará de ações políticas que contem com a adesão da oposição de centro e de direita a Bolsonaro? Claro que não. Como lembra o jornalista Breno Altman em vídeo recente, a caravana de deputados ao Supremo para barrar a transferência de Lula para um presídio paulista é um bom exemplo de unidade pontual com conservadores que não rezam na cartilha ideológica do bolsonarismo.
5) A discussão sobre a formação de frentes fica capenga se não avançar para a demarcação dos objetivos dessas frentes. Frente para impedir a destruição do país pelo bolsonarismo, com a liquidação de todas as conquistas civilizatórias das últimas décadas, é uma coisa. Mas, quando implica alianças político-eleitorais para a disputa do poder, é outra.
6) Explico: parte considerável dos partidos e quadros da direita liberal que hoje demonstra desconforto com Bolsonaro apoiou o golpe contra a presidenta Dilma, bem como a perseguição e a prisão ilegal de Lula. Além disso, fecha integralmente com a agenda econômica ultraneoliberal de Bolsonaro, cujos pilares fundamentais são a eliminação dos direitos trabalhistas e sociais do povo e a entrega de todo o patrimônio da nação brasileira. Frentes programáticas e orgânicas para disputar eleições, portanto, com essas forças seria um tiro no pé da esquerda. Ressalve-se, porém, que não devem ser rechaçados os arrependidos nem personalidades dissidentes deste segmento que aceitem se submeter a um programa popular e democrático para o Brasil.
7) Mas a direita republicana pode ser perfeitamente parceira na luta contra a volta da censura e em defesa da ciência, da cultura, do conhecimento e para enfrentar as ameaças totalitárias, a intolerância e o ódio disseminados pelo bolsonarismo. São aliados potenciais ainda para frear as agressões ao fiapo de estado de direito que ainda nos resta e afastar o quanto antes a onda obscurantista que assola o país.
8) Se por um lado é preciso evitar que eventuais posturas hegemônicas do PT corroam a política de formação de frentes de esquerda ou democrática, por outro, também é inegável que a exclusão sectária do PT em nada contribuiria para o enfrentamento do inimigo a ser batido. Nasceria morta uma frente sem o maior partido de esquerda do país, dono de um respeitável capital político social e eleitoral.