Está lançado um grande desafio, no presente e no futuro, para historiadores, cientistas políticos, sociólogos, jornalistas e estudiosos de política : como se queimar um enorme capital político em apenas seis meses.
Os pesquisadores certamente terão de ouvir a presidenta Dilma, seu marqueteiro, ministros, parlamentares, dirigentes do PT e assessores do Planalto. Claro que terão que sair em campo também para entrevistar as representações da sociedade.
Mas explicar de forma racional e coerente a verdadeira proeza conseguida pelo governo da presidenta Dilma não parece tarefa para amadores. Ao contrário, se avizinha um trabalho intrincado e complexo.
Apenas como observador da cena política, modestamente apresento algumas pistas para os pesquisadores. Começo relembrando dois dados objetivos :
1) Terminado o segundo turno das eleições do ano passado, os institutos de pesquisa apontavam que a avaliação positiva do governo Dilma, os que o consideravam bom ou ótimo beirava os 50%.
2) A polarização do segundo turno contra o candidato do retrocesso provocou a união de grande parte da esquerda e dos movimentos sindical e social, além da muita bem-vinda volta dos jovens às ruas, em defesa da reeleição da presidenta.
Quando pronunciou seu discurso no dia da vitória apertada sobre Aécio, Dilma contava com aprovação ao seu primeiro mandato e uma ampla base social unificada em torno do essencial : seguir em frente com o projeto de inclusão social, geração de emprego e renda e forte investimento em programas sociais e soberania.
Logo a presidenta, em meio ao início dos primeiros lances golpistas de Aécio Neves e da mídia, despertou para a necessidade de ajustar as contas públicas, desarranjadas pela correta decisão de manter o mercado interno aquecido e o nível de emprego em alta diante da crise financeira internacional.
Assustada, porém, com a aliança cada vez mais forte contra seu governo, incluindo partidos de oposição, monopólio da mídia e amplos setores do Ministério Público, Polícia Federal e Judiciário, Dilma desprezou o fato de que tinha capital político para enfrentar a tempestade conservadora e golpista e passou a adotar pontos do receituário dos que perderam a eleição.
A nova maioria, hostil ao governo, no Congresso Nacional, especialmente na Câmara dos Deputados comandada por Cunha, percebeu os sinais de fraqueza emitidos pelo Planalto e entrou em cena com uma pauta antipopular, antinacional e voltada para a liquidação de direitos e conquistas da cidadania, emparedando o governo de vez.
Mas será que a Câmara de Cunha iria tão longe se o ajuste fiscal de Dilma mirasse as heranças, as grandes fortunas e os ganhos abusivos do capital financeiro ?
Será que a base social de Dilma estaria tão dilacerada se suas decisões mais importantes fossem precedidas de discussões com as centrais sindicais e os movimentos sociais?
Será que se a presidenta e seus ministros usassem todos os instrumentos de comunicação disponíveis, inclusive cadeia de rádio e TV, para explicar para a população os aumentos da gasolina e da energia elétrica, a atmosfera estaria tão carregada para o governo em todas as classes sociais?
Será que se o governo tivesse algo que pudesse ser chamado de política de comunicação, não deixando ataque sem resposta e dando nomes aos bois de todos os atores envolvidos nas articulações golpistas, sua popularidade estaria no fundo do poço, com menos de 10% de aprovação segundo as últimas pesquisas ?
Os estudiosos que se habilitem.