Vale para o episódio em que o presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Dias Toffoli, requisitou acesso a 600 mil alvos da COAF (Conselho de Controle de Atividades Financeiras). A troco de quê Toffoli iria se expor dessa maneira?
A única explicação racional é que continua em andamento uma guerra interna que poderá definir o futuro da democracia brasileira. E o ato de Toffoli não foi individual, mas dentro de uma estratégia de controle dos abusos.
Vamos entender por partes.
Peça 1 – a rebelião das corporações
A mudança de rota nos órgãos de controle começou bem antes, quando Dilma Rousseff perdeu o controle da administração. Michel Temer tentou recuperar algum controle, nomeando um delegado de confiança para a Polícia Federal e Raquel Dodge para a Procuradoria Geral da República. Mas as instituições já tinham avançado demais e não aceitaram qualquer forma de controle.
Desde o início, a Lava Jato contou com o apoio da elite dos órgãos de investigação, pois representava a substituição da política pelo poder da elite do funcionalismo público. Era a substituição do voto popular pelo concurso público.
Peça 2 – as salas de situação
A mudança de rota do COAF começou após a decisão presidencial de transferi-la para o Ministério da Justiça. Mas os jogos de poder eram anteriores.
Em entrevista ao Estadão, em 09/12/2018, o então presidente do COAF, Antônio Ferreira, explicou como o COAF atuava lado a lado com os agentes da Lava Jato que viriam em seguida a comandar o Ministério da Justiça do governo Bolsonaro.
Disse Ferreira: “Já existe no Coaf uma “sala de situação”, em que funcionários do órgão mantêm contato remotamente, por exemplo, com a força-tarefa da Lava Jato no Paraná. Uma das ideias em discussão é levar funcionários de outros órgãos para salas de situação na estrutura do COAF.”
Na verdade, o primeiro conceito de “sala de situação” foi na gestão Márcio Thomas Bastos, no primeiro governo Lula, com a criação do SISBIN (Sistema Brasileiro de Inteligência).
As tais “salas de situação” são um improviso, à margem da lei, que na prática conferem ao investigador o poder de escolher pessoalmente as pessoas a serem investigadas.
Peça 3 – os indícios de jogo político
Há dois indícios veementes de uso político do COAF e da aplicação do direito penal do inimigo.
Um, a investigação visando implicar dois Ministros do STF – Gilmar Mendes e Dias Toffoli e respectivas esposas -, investigação alinhada com a Lava Jato, conforme ficou explicitado nos diálogos da Vazajato.
Outro, os relatórios sobre Fabrício Queiroz, o nervo exposto dos Bolsonaro. Os relatórios foram fatiados de tal maneira que o primeiro RIF (Relatório de Inteligência Financeira) apontou movimentação financeira de apenas R$ 1,2 milhão quando, depois, apareceram outros RIFs mostrando que movimentou um mínimo de R$ 7 milhões.
Tudo indica que esse fatiamento foi uma articulação entre os defensores da Lava Jato dentro das instituições (PF, MPF, COAF, MP/RJ) para que o Queiroz e Flávio Bolsonaro não se tornassem alvos da Operação Furna da Onça.
Há enorme possibilidade de que a movimentação financeira dos principais suspeitos na morte de Marielle Franco apareça nesses RIFs.
Tudo isso poderá ser verificado a partir da análise desse imenso banco de dados fornecido pelo BC.
A dificuldade maior é que esses dados brutos constantes dos RIF não são amigáveis. Para se chegar a algumas conclusões preliminares, o STF precisaria contar com o auxílio de uma forte equipe de Auditores Fiscais da Receita Federal, que são as autoridades com a incumbência legal e a permissão de acessar os diversos sistemas da Receita Federal para cruzar informações e descobrir outras relações de interesse fiscal e econômico das pessoas citadas nos RIF
Como o STF faria isso se não pode confiar na cúpula da Receita Federal controlada por Bolsonaro e fortemente alinhada com a Lava Jato? Essa é a grande incógnita.
Se o STF conseguir o apoio de uma equipe de auditores fiscais não comprometidos com os métodos lavajatistas, certamente poderá avançar bastante para sair dessa zona obscura em que nada se resolve.
Peça 5 – Bolsonaro
Há um conjunto de indício de que Jair Bolsonaro sentiu a água chegando perto do nariz.
- O recuo nas negociações com a China.
- O afastamento do filho mais tresloucado, Carlos Bolsonaro, das redes sociais. A imprudência do filho nas mensagens deu munição para os que investigam suas ligações com o caso Marielle e exposição à CPI dos fakenews, em um momento de desmanche da base de apoio político de Bolsonaro.
- A tentativa de reaproximação com Sérgio Moro, que deixou de ser humilhado em público para ser apresentado como candidato a vice em 2022.