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Brasil registra os piores cenários para a covid no mundo

Jun 27, 2020

Por Nara Lacerda, no Brasil de Fato                                                                                                   

 

Na mesma semana em que o Brasil registrou aumento na taxa de transmissão da covid-19, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) foi à internet duas vezes para pedir que as atividades econômicas sejam retomadas no país. Segundo informações do Imperial College de Londres, uma das principais instituições globais de pesquisa de epidemias, a propagação da doença a cada brasileiro infectado subiu.

A taxa de contágio no Brasil havia registrado desaceleração por três semanas seguidas. No entanto, o cenário mudou e o número de pessoas para as quais cada paciente passa a doença está acima de um. De acordo com o médico de família Aristóteles Cardona, integrante da Rede Nacional de Médicas e Médicos Populares, a elevação constatada pode ser atribuída ao relaxamento nas medidas de isolamento social.

“Nada é coincidência. Há duas semanas a gente já apontava isso. Naquele momento, se começava a implementar medidas para flexibilizar o isolamento e o distanciamento pelo país. Muitos estudiosos alertavam que isso poderia representar um problema, não naquele momento, mas dali a duas ou três semanas, que é quando a gente começa a ver as consequências, frente ao período de incubação. Dito e feito. Para além do número de casos e mortos, está aí a taxa de transmissão aumentada", explica.

:: O que pode acontecer aos brasileiros sem o isolamento social?::

O Brasil tem mais de 1,3 milhões de infectados e o número de mortes já é superior a 55 mil. O crescimento diário dos óbitos, ao longo de praticamente toda a semana, ficou acima de mil. Por duas vezes, as confirmações de infectados superaram 40 mil nos últimos dias. Dessa forma, o país é hoje o que apresenta cenários mais críticos em 24 horas em todo o mundo.

:: Brasil tem segundo maior número de casos em um dia::

Em meio à situação cada vez mais crítica, Jair Bolsonaro pediu a retomada das atividades econômicas novamente. Na segunda-feira (22), ele chegou a dizer que houve “um pouco de exagero” nas medidas de combate à pandemia. Sem explicar do que estava falando, ele citou supostas novas informações do mundo todo, que demonstrariam esse exagero.

"A gente apela aqui aos senhores governadores e prefeitos que, obviamente, com responsabilidade, comecem a abrir o comércio. Porque novas informações vêm do mundo todo, vêm da OMS [Organização Mundial da Saúde], através dos seus equívocos, que talvez tenha havido um pouco de exagero no trato dessa questão lá atrás.”

Na quinta-feira (25), ele transmitiu uma tentativa de homenagem às vítimas, com o presidente da Embratur (Instituto Brasileiro de Turismo), Gilson Machado, tocando "Ave Maria" em uma sanfona. Na mesma ocasião e sem apresentar fontes, o capitão reformado disse que os hospitais brasileiros têm vagas sobrando e voltou a apelar para a reabertura do comércio.

Cardona explica que o cenário de crescimento da pandemia, sem isolamento, é inevitável. “É até óbvio. Se a gente consegue fazer com que o máximo de pessoas fique dentro de casa, ela não estará transmitindo aquele vírus. A cada exposição a gente aumenta as chances. Na matemática não tem segredo", pontua.

Também nesta semana o governador do Estado de São Paulo, João Dória (PSDB), anunciou um planejamento de volta às aulas a partir do dia 8 de setembro. O retorno seria feito por escalas. A cada dia, 35% dos estudantes podem frequentar as escolas. Aristóteles Cardona afirma que qualquer tentativa de previsão sobre quando é seguro retomar as atividades escolares é irresponsável.

“Existem estudos analisando a disseminação por padrão de espaço ou de comportamento das pessoas. Dois lugares onde há disseminação maior, e faz todo sentido, são salas de aula e academias de ginástica. Mesmo que você faça revezamento, a gente vai ter sempre um número razoável de pessoas e o risco de estar contaminando. Às vezes a criança se contamina, nem apresenta sintomas, mas ela não está isolada do mundo. Ela tem pais, avós, parentes, vizinhos.”

:: Aulas presenciais em SP retornarão em setembro de forma gradual ::

Testes ainda insuficientes

Instituições do mundo todo alertam para as altas chances subnotificação dos casos de covid-19 no país, já admitidas até mesmo pelo Ministério da Saúde. Um dos motivos apontados para a possível discrepância é a quantidade limitada de testes realizados até agora. Junto ao isolamento social, a testagem em massa é apontada pela OMS como principal arma no combate ao crescimento da pandemia.

Na quinta-feira (25), o diretor do Departamento de Doenças Transmissíveis da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), Marcos Espinal, afirmou que o Brasil tem recursos e precisa aumentar os exames. O país é um dos que menos testa em comparação com outras nações, inclusive os vizinhos da América do Sul.

“Nas últimas semanas, o país conseguiu incrementar o número de testes de PCR para o diagnóstico de covid-19. Mas o Brasil ainda não chega a 10 mil testes por milhão de habitantes. Então, é necessário que aumentem”, afirmou Espinal.

Pânico por falta de remédios

Também na quinta-feira (25), os governadores do Espírito Santo, do Amapá e do Mato Grosso reforçaram as denúncias de que faltam medicamentos e coordenação no combate à pandemia por parte do governo federal. Renato Casagrande (PSB-ES), Waldez Góes (PDT-AP) e Mauro Mendes (DEM-MT) participaram de audiência no Congresso Nacional.

Eles denunciaram preços cada vez mais altos, descritos por Waldez Góes como “relação mercadológica canibal”. Os governadores pretendem enviar uma carta à Presidência da República e ao Ministério da Saúde para cobrar coordenação na compra de medicamentos. "Aquele kit que alguns apelidaram de "kit covid" está sendo uma verdadeira loucura encontrar. Os preços dispararam”, completou Mauro Mendes.

Mortes avançam na América Latina

Na terça-feira (23), a América Latina ultrapassou a marca de 100 mil mortes pela covid-19. Mais da metade dos óbitos ocorreu em território brasileiro. O número total de infectados já é superior a dois milhões, sendo que a maioria está concentrada no Brasil.

O diretor de emergências da OMS, Michael Ryan, afirmou que a evolução da pandemia está diretamente relacionada à gestão governamental, cooperação da comunidade e capacidade de atuação dos sistemas de saúde.

"O vírus explora uma vigilância fraca. O vírus explora os sistemas de saúde fracos. O vírus explora a má governança. O vírus explora falta de educação, falta de empoderamento das comunidades", enfatizou.

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