Mais do que nunca, em tempos tão trevosos, é importante reafirmar algumas premissas: estou entre os que defendem a frente mais ampla possível para proteger os direitos civis e a democracia do projeto autoritário de Bolsonaro.
Também vejo como essencial a formação de uma frente popular e de esquerda, para lutar pelo Fora Bolsonaro, frear o estrago social causado pelo ultraneoliberalismo tardio, inserir na disputa pelo poder o nosso projeto popular e democrático e alicerçar a reconstrução soberana do país.
Isto posto, um dado da realidade, antes tratado com melindre, agora emerge com uma nitidez cada vez maior: a atuação conjunta dos partidos de esquerda para resistir a Bolsonaro e na constituição de frentes de resistência vem sendo contaminada de forma crescente pela movimentação das peças do tabuleiro eleitoral de 2022.
E tudo gravita em torno do Partido dos Trabalhadores. Primeiro é preciso constatar que está em curso uma política de invisibilização do PT protagonizada pela Globo e congêneres e que conta com forte adesão da elite do país.
A ideia é tão simples quanto antidemocrática: apontar o bolsonarismo e o petismo como dois extremos de uma polarização indesejável para o Brasil. Somente doses cavalares de desonestidade podem levar alguém a não reconhecer a trajetória petista de compromisso democrático e, pior, comparar o partido ao esgoto civilizatório representado por Bolsonaro.
Pois nem no enfrentamento dessa ação deformadora da realidade nem na luta para a restituição dos direitos políticos de Lula o PT tem contado com a solidariedade dos demais partidos do campo progressista e de esquerda. Existem exceções, evidentemente, mas o que se vê é uma postura complacente, movida pelo desejo de substituir o PT como alternativa viável de poder.
Grave equívoco: a censura explícita ao PT significa esconder da sociedade projetos, programas e visões de mundo caras a toda a esquerda, independentemente de partido. Manietar a maior liderança popular do país, mantendo-o proscrito da vida política institucional do país, é, antes de tudo, um atentado ao estado democrático de direito.
Se é verdade que o hegemonismo petista já trouxe prejuízos à unidade das forças de esquerda ao longo da história, e até em passado recente, tampouco contribui para o avanço da resistência ao governo neofascista a espécie de acerto de contas com o PT que os partidos de oposição resolveram fazer.
Quando os cálculos eleitorais estão no posto de comando, gestos em prol da unidade resultam infrutíferos. Cito dois exemplos:
1) O PT, em 2019, cedeu, no Congresso Nacional, as lideranças da oposição e da minoria para parlamentares de partidos aliados, abrindo mão de sua prerrogativa como maior bancada não só da oposição, mas da própria Câmara dos Deputados. Mas a desconfiança não acabou.
2) O PT se empenhou no Rio de Janeiro para a unificação da esquerda em torno da candidatura do deputado federal Marcelo Freixo, do PSOL. Nada feito, a birra antipetista levou à pulverização de candidaturas de oposição ao prefeito Crivella.
O PT nos governos de Lula e Dilma cometeu muitos erros.Todavia, a cassação sem crime da presidenta Dilma e a infame perseguição a Lula devem-se aos acertos das políticas petistas que mudaram para melhor a vida do povo. O ódio devotado pela burguesia brasileira ao partido é um reflexo disso.
Outra coisa: não pode ser vista com naturalidade a interdição feita pela Globo, uma concessão pública, e não uma propriedade dos Marinho, ao partido que ganhou quatro eleições presidenciais consecutivas, tem grande capilaridade nacional, uma forte e ativa militância, mais de 2 milhões de filiados, a maior bancada na Câmara dos Deputados, cinco governadores e uma penca de deputados estaduais, prefeitos e vereadores.
No momento, PSB, PDT e Rede, e até o PCdoB, dão seguidas indicações de que caminham para formar alianças eleitorais com o centro e com a direita liberal. Têm todo o direito, claro, de escolher seus caminhos. Faria bem à transparência do jogo democrático, porém, se assumissem publicamente a nova tática.