Em qualquer parte do mundo onde houve ou há instabilidade política, nos últimos anos, a capacidade de reação do povo nas ruas sempre foi maior do que a dos brasileiros.
Na Bielorussia, o governo de Aleksandr Lukachenko pode cair pela ação das mulheres. Há inquietação mundial, mesmo em meio à pandemia.
Mas poucos se atrevem a sugerir que as mulheres brasileiras também possam sair às ruas para tentar derrubar Bolsonaro. Porque, mesmo sem o coronavírus, a mobilização talvez não fosse possível.
Por particulares que parecem ser só nossas, há travas que seguram as pessoas em casa e nas redes sociais desde muito antes do surto de Covid-19. Algo, a ser melhor entendido mais adiante, prende os estudantes e a classe média que sempre foi às ruas.
O golpe de 2016 completa quatro anos neste 31 de agosto. A pandemia completou agora cinco meses. São poucos os que se lembram do significado das pedaladas, a alegação que derrubou Dilma Rousseff.
Quem se recorda direito da origem das manifestações do inverno de 2013? E das ocupações das escolas na primavera de 2016? Por que os que estavam lá, em algum ato, mesmo que tenham estado apenas uma vez, não voltaram a participar de mais nada?
Do golpe de 31 de agosto de 2016 até o início da pandemia em março, tivemos três anos e sete meses para fazer alguma coisa. Os que fizeram foram bravos. Mas sempre foram poucos.
Mais recentemente, alguns saíram às ruas em junho e julho, sempre aos domingos, como resposta às manifestações golpistas que atraíam Bolsonaro e seus generais à Esplanada dos Ministérios.
Mas eram sempre os mesmos atrevidos, porque desafiavam os riscos da pandemia. O blefe do golpe se esgotou, com a pressão do Supremo sobre a família no poder e, logo depois, com a prisão de Queiroz. E as manifestações antifascistas perderam força.
O silêncio de agosto amplifica o barulho das perguntas sobre a capacidade de resistência e de destruição de Bolsonaro, o grau de adesão dos militares, os próximos passos do Supremo e os movimentos do Ministério Público em relação aos crimes cometidos pela família.
Qual é o limite do apoio do mercado, dos empresários e do centrão a Bolsonaro? Quais serão os efeitos do programa de renda mínima na popularidade do sujeito? Por quanto tempo Bolsonaro viverá a ilusão de que poderá ser o Lula da direita?
Mas a pergunta elementar, sobre a capacidade de Bolsonaro de cavar trincheiras, mesmo que provisórias e precárias, precisa de outra tentativa de resposta equivalente em outra direção: qual é o poder de dois terços da população de interromper os planos fascistas de Bolsonaro?
Não o poder das instituições, do Congresso, do Ministério Público, do Supremo. O poder real da população. Como fazem agora na Bielorrússia, onde as mulheres vão às ruas sem medo do déspota que diz ter sido eleito.
Sabe-se que não há como copiar, em meio à pandemia, o que elas fazem lá. Mas não é improvável que também aqui as mulheres possam liderar a desestabilização da extrema direita.
No 31 de agosto de 2016, foi a mobilização do Brasil arcaico, mais do que uma conspiração internacional, que derrubou uma mulher.
As mulheres podem, depois da pandemia, ir à luta contra o sujeito que participou do golpe como figurante medíocre e foi depois inventado pelos próprios líderes do golpe como a nova criatura da direita para chegar ao poder.
As mulheres sabem mais do que os homens o que foi o golpe machista e fascista de 31 de agosto e o que Bolsonaro significa.