Ronaldo Shemidt/AFP
Há cerca de um ano a mídia oligopolizada do continente sul-americano abria manchetes para a queda do presidente Evo Morales. Alardeava aos quatro ventos a mentira amplificada pela OEA segundo a qual Evo tentara fraudar a eleição. Endinheirados, racistas, mafiosos, milicianos, polícia e exército desfecharam um golpe porque não aceitavam mais uma vitória do MAS (Movimento ao Socialismo), partido do ex-presidente.
Mas a resposta do povo boliviano dada neste domingo, 18, mostra que o caminho da democracia e das transformações sociais não é fácil de ser bloqueado pela violência e pelo terror da direita.
Contra todas as intimidações e ameaças, os indígenas, cocaleiros, trabalhadores e a nova classe média popular que emergiu nos governos de Evo deram nas urnas uma inquestionável vitória ao candidato do MAS, Luis Arce, ex-ministro da Economia de Evo.
Tentaram matar Evo, queimaram sua casa, obrigaram-no a se exilar, perseguiram, processaram e prenderam dirigentes do MAS, reprimiram com selvageria as manifestações contra o golpe, deixando um saldo funesto de 39 mortos.
E, como o lawfare (o uso da justiça para fins políticos) é hoje uma estratégia largamente utilizada em todo o continente pela burguesia contra partidos e políticos com compromissos populares, despejaram sobre Evo uma enxurrada de processos, que vão da acusação de estupro à prática de terrorismo. Também cassaram seus direitos políticos, impedindo até que ele votasse em seu exílio de Buenos Aires.
Tudo em vão. Escrevo na manhã de segunda-feira (19). Mesmo com o resultado oficial ainda distante dada a lentidão das apurações, as pesquisas de boca de urna apontam para uma consagradora votação da esquerda boliviana, com 52% dos votos, ante 31% do neoliberal Carlos Mesa. Mais do que isso, a presidente golpista Jeanine Ánez reconheceu a vitória do MAS, felicitando Luis Arce pelo expressivo resultado.
Claro que todo cuidado é pouco com as fraudes, afinal, não há limites para o golpismo da elite da Bolívia, irmã siamesa, diga-se, dos poderosos de todos os países da América Latina. Contudo, a forte presença de observadores internacionais e a votação obtida por Arce, acima das expectativas geradas pelas pesquisas, devem inibir quaisquer tentativas de se rasgar outra vez a Constituição.
Cabe destacar que e legislação eleitoral da Bolívia assegura a vitória no primeiro turno ao candidato que conquistar 50% mais um dos votos ou mais de 40% dos votos, desde que com uma diferença igual ou maior do que 10 pontos percentuais do segundo colocado. Arce, tudo leva a crer, cumpriu com folga as duas exigências.
Quando os governos de esquerda começaram a ser golpeados e derrotados eleitoralmente no continente latino-americano, não falaram previsões catastróficas, partindo inclusive de analistas do campo progressista, sobre o futuro da esquerda. Essas pitonisas anteviam em suas bolas de cristal uma longa hegemonia dos conservadores, neoliberais, neofascistas e golpistas à frente dos governos dos países da América Latina.
Mas, de lá para cá, a esquerda venceu no México, na Argentina e na Bolívia. Enxergar a política de forma linear e estática é sempre um equívoco.