Há uma ameaça latente ao futuro do país como Nação. O sistema político foi destruído. Há um avanço sistemática das organizações criminosas, controlando espaços cada vez maiores do território. As disputas não são mais entre poder formal e organizações, mas guerras entre elas. Sem a estruturação formal dos partidos, aumenta a influência deletéria de grupos setoriais, como os neopentecostais, ruralistas, mercado. E, a cada dia que passa, o Estado construído pós-Constituição vai sendo desmontado, sob a lógica exclusiva do benefícios a grupos específicos.
É nesse quadro que emergem algumas lideranças fundamentais. No centro, Tancredo Neves, Ulisses Guimarães, Mário Covas.
Mas o ponto essencial foi o aparecimento de uma nova liderança, o metalúrgico Luiz Ignácio Lula da Silva.
Sem terras, sem tetos, sem comidas, sem Estado, a imensa multidão dos desassistidos seria massa de manobra fácil para organizações criminosas, para candidatos a guerrilha. Ao organizar o Partido dos Trabalhadores, Lula deu consistência política às demandas, teve grandeza para aguardar o momento de ser eleito, perdendo eleições sucessivas sem questionar seu resultado e estendendo o papel civilizatório do partido para todos os rincões.
Ao mesmo tempo, criou a possibilidade de uma polarização produtiva, com o aparecimento do PSDB. O partido se estruturou como uma alternativa racional das classes médias intelectualizadas contra a esquerda não radical representada pelo PT.
Para manter a coesão nacional, talvez tenha cedido mais do que devia. Manteve uma política cambial e monetária corrosivas da industrialização, para não afrontar o mercado. Não avançou na reforma fiscal, para não afrontar os ricos. Não avançou nas comissões da verdade, para não afrontar os militares. Mas, nas frestas abertas pelas negociações, conseguiu implementar alguns dos programas sociais mais relevantes da história. Mudou a face do Nordeste com a transposição do São Francisco e a política de cisternas. Mudou a face das universidades com as políticas de cotas. Com o aumento do salário mínimo e o Bolsa Família abriu um caminho inédito de inclusão social e de redução das desigualdades.
Seu sucesso, especialmente a partir da crise de 2008, levou a uma deterioração do jogo político, e a deterioração da democracia por outros atores, incapazes de contrapor um discurso eficaz. No mensalão, o Ministério Público Federal julgou que poderia ser poder autônomo. Com a morte de Mário Covas e Franco Montoro, o PSDB caiu nas mãos de Fernando Henrique Cardoso, Aécio Neves e José Serra. Ao mesmo tempo, sem saber como enfrentar a competição trazida pela Internet, a mídia passava a exercitar cada vez mais o jornalismo de guerra, o discurso de ódio. E trouxe o PSDB consigo.
No auge do mensalão, quando o Ministério Público Federal exercitou pela primeira vez seus músculos, visando a desestabilização política, vários ex-presidentes saíram em defesa da normalidade institucional – José Sarney, Fernando Collor e Itamar Franco. O único que ficou de fora foi Fernando Henrique Cardoso.
Terminadas as eleições de 2014, sabia-se que era questão de tempo para haver alternância de poder. Mas, quando Aécio Neves deu a senha para o golpe, deu a largada para o desmanche institucional do país. Nos meses seguintes, as passeatas contaram com a participação entusiasmada de Aécio, Serra e FHC.
Hoje se tem o país com recordes mundiais de morte por Covid, uma política econômica errática que assusta o mercado, o avanço das organizações criminosas por todos os poros da República, sem nenhum referencial racional para impedir o desmanche.