Assim como os boleiros jogam outro jogo de futebol sem o aplauso, o incentivo, a vaia, a cobrança e a pressão da torcida, na política não se pode imaginar nenhum tipo de avanço significativo, do ponto de vista do interesse popular e democrático, sem as mobilizações de rua. A história está repleta destes exemplos.
Oxalá a luta pela disponibilização da vacina para todos os brasileiros e brasileiras, que começa a dar resultados, seja a última que tem como campo de batalha exclusivo a tela do computador ou do celular. O isolamento social vem deixando à vontade o governo Bolsonaro para cometer impunemente uma sucessão de crimes de responsabilidade e de lesa-humanidade.
O respeito da esquerda democrática ao recolhimento imposto pela pandemia do novo coronavírus tem também permitido que o consórcio formado por Rodrigo Maia, Centrão, mercado e mídia comercial varram para debaixo do tapete toda a sujeira produzida no Palácio do Planalto, na Esplanada dos Ministérios e pela família do presidente.
Abre parênteses: penso que nos momentos mais dramáticos dos ataques de Bolsonaro à democracia, bem como em resposta às suas falas negacionistas, irresponsáveis e genocidas sobre a pandemia, a oposição de esquerda deveria ter quebrado o isolamento e ido às ruas, a exemplo do que fizeram os norte-americanos com o movimento antirracista Black Lives Matter, especialmente depois do assassinato de George Lloyd. Claro, fazendo apelos rigorosos para o uso de máscara e álcool em gel. Fecha parênteses.
O certo é que sem as passeatas e os comícios as dezenas de pedidos de impeachment que dormitam na gaveta do presidente da Câmara por lá ficarão até que o amarelado do mofo embace e a leitura dos documentos.
Não há impeachment sem pressão popular. Oxigênio histórico das forças democráticas, a rua é o púnico instrumento capaz de tirar da zona de conforto os que garantem a impunidade de Bolsonaro, seja por puro fisiologismo, como o Centrão, ou para zelar pelos interesses da elite endinheirada, como a Rede Globo e congêneres.
Percebe-se ainda uma forte demanda reprimida em relação às mobilizações, notadamente entre os setores que compõem a vanguarda social e política do país. Isso, embora talvez não seja suficiente para furar o bloqueio e acuar a extrema-direita, pode pavimentar o caminho para atrair a classe trabalhadora e o povão.
Ah, mas a direita também, de 2013 para cá, descobriu o caminho dos atos de protesto de rua como elemento central de sua ação, dirão alguns. E daí? Que disputemos, então, com os fascistas nessa raia. Com certeza, teremos mais chances de vitória do que no jogo de cartas marcadas das instituições, as quais os ingênuos e mal intencionados insistem em dizer que “estão funcionando.”
O Brasil só se livrará de Bolsonaro com uma mudança na correlação política de forças. Afastar um presidente da República, por mais flagrantemente criminoso que seja como o atual, requer um ambiente político favorável às forças que propõem e apoiam o impedimento.
Isso vale para os dois lados. Collor só caiu porque perdeu a rua para os cara-pintadas e, posteriormente, para a massa que aderiu às mobilizações pelo seu impeachment. Da mesma forma que a quartelada midiática, jurídica e parlamentar de 2016, que resultou no golpe de estado, não teria logrado êxito caso a Globo e suas irmãs siamesas não tivessem manipulado as pessoas, impelindo-as a ocupar as ruas em defesa da saída de Dilma.