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“Sacos da morte”: a bolsonarização da oposição argentina

Abr 01, 2021

Por Martín Fernández Lorenzo, no Socialista Morena                                                                                       

 

As fake news existem na Argentina há muito tempo. A eleição que Mauricio Macri ganhou em 2015 resultou de várias campanhas de desinformação nas redes sociais. Uma das mais conhecidas, e que continua circulando nas redes até hoje, é a falsa carta de Ricardo Darín, em que o famoso ator “sugeria” atirar nos peronistas na Plaza de Mayo.

Embora não tenham sido tão grotescas quanto o kit gay ou a mamadeira de piroca nas eleições brasileiras, essas mentiras foram fundamentais para que Macri vencesse as eleições com uma diferença de menos de 3% dos votos. Foi o próprio CEO da Cambridge Analytica quem admitiu ao Parlamento britânico que havia realizado uma campanha anti-Kirchner.

Mas, em 2020 e com a chegada da pandemia, não só as fake news aumentaram, mas tanto a mídia comercial quanto a oposição argentina assumiram uma postura quase idêntica ao bolsonarismo, não só na desinformação, mas também na violência. A espinha dorsal da campanha contra o governo foi a anti-quarentena, o movimento anti-vacina e a disseminação de medicamentos milagrosos sem eficácia comprovada.

Quando o secretário da Cultura do Brasil, Mario Frías, comparou a quarentena ao holocausto judeu na Segunda Guerra, lembrei-me do intelectual macrista Jorge Sebreli, que comparou a quarentena em um bairro de Buenos Aires ao Gueto de Varsóvia. O Clarín não deixou por menos e, pedindo a volta das aulas em pleno aumento de casos, sugeriu que as crianças não seguissem o caminho de Anna Frank…

“Infectadura” foi o termo utilizado pela oposição e apoiadores em carta pública, solicitando a reabertura de empresas ou que o país seguisse o falido modelo sueco como exemplo. Com apoio dos principais meios argentinos, começaram a organizar marchas anti-quarentena quase todo fim de semana.

Um aposentado de 74 anos, Ángel José Spotorno, que organizou uma das marchas porque não queria “o retorno do comunismo”, morreu de Covid poucas semanas depois. Mas isso não impediu a oposição de continuar com sua aposta negacionista, promovendo o contágio e chamando o governo de esquerda do país, presidido por Alberto Fernández, de “fascista”, “comunista” etc.

A apresentadora Viviana Canosa, uma espécie de Sara Winter com microfone e espaço no horário nobre, bebeu dióxido de cloro ao vivo e promoveu seu uso contra a Covid-19. Os pais de um menino de 5 anos quiseram copiá-la e a criança morreu alguns dias depois.

Mas Canosa não foi a única. “Não vou receber a vacina, talvez fosse muito mais barato se pesquisássemos o dióxido de cloro”, disse o deputado do PRO de Salta, Martín Grande. A deputada da Coalición Cívica, Mónica Frade, pediu sua liberação. Foi preciso que a ANMAT (Administração Nacional de Medicamentos, Alimentos e Tecnologia Médica), a Anvisa da Argentina, publicasse um comunicado alertando para os riscos para a saúde que o consumo do referido “medicamento” implicaria.

Não faltaram programas ou redes de TV, jornalistas, economistas ou políticos que tentaram refutar ou questionar, pateticamente, infectologistas como o biólogo molecular Ernesto Resnik, que chegou a ser chamado de “kirchnerista” pelo jornal La Nación por defender as medidas contra o coronavírus. Resnik tem sido o Atila Iamarino da Argentina nesta pandemia, com suas certeiras previsões.

Com a chegada da vacina Sputnik, teve início a campanha anti-vacina. Diferentes setores começaram a questionar a eficácia da vacina russa e uma das principais figuras da oposição, Elisa Carrió, denunciou Alberto Fernández e Cristina Kirchner por “envenenamento”.

A apresentadora Canosa, aquela que bebeu dióxido de cloro ao vivo, deu início à campanha “Não me vacino”, e vários meios de comunicação questionaram sua eficácia. A deputada cordobesa do PRO, Soher El Sukaria disse, na Câmara dos Deputados: “Eles começaram a vacinar e não sabemos que merda vão nos inocular”. A má notícia para os anti-vacinas veio com a publicação da revista científica The Lancet: a vacina Sputnik é 91,6% eficaz.

A campanha anti-vacinação foi tão grotesca que 20% dos médicos do Hospital Fernández, em Buenos Aires, não quiseram ser vacinados. A médica María Rosa Fullone, de 56 anos, acabou morrendo de Covid-19 após ter recusado a vacina e o enfermeiro Roberto Curzio, de La Plata, de 51 anos, morreu na semana passada, também por não ter aceitado se vacinar. O dano já era irreparável.

Com o escândalo da vacinação VIP, que custou o cargo do ministro da Saúde, Ginés García (um dos melhores ministros do governo), os anti-vacinas passaram a reclamar abertamente sobre o manuseio das vacinas e sua administração. O governo nacional distribuiu as doses que chegavam de forma equitativa por província/população, mas foi o governo da cidade de Buenos Aires quem distribuiu parte do que foi recebido para empresas de saúde pré-pagas. Claro que as pessoas com dinheiro podendo ser vacinadas não causaraam indignação no partido que sempre governou para os mais ricos. Não à toa, votaram contra o imposto sobre a riqueza, afinal aprovado.

Patricia Bullrich, outra forte oponente da oposição e ex-ministra da Segurança de Mauricio Macri (ela também foi ministra do governo De la Rúa), foi uma das promotoras das marchas anti-quarentena. Infectada pelo coronavírus, sobreviveu, e, uma vez recuperada, convidou um jovem comunicador das redes, mistura violenta de Constantino com Caio Coppolla, e postou a foto em suas redes. Esse homem, conhecido como “El Presto”, havia sido preso semanas antes por ter ameaçado Cristina Kirchner de morte. Quando invadiram sua casa em busca e apreensão, encontraram uma foto dele com o sanguinário ditador argentino Rafael Videla.

Mas o ponto alto de todas essas atitudes antidemocráticas e pró-Covid foi uma marcha que aconteceu em fevereiro, em frente à Casa Rosada (Bullrich e outros oponentes participaram), onde um grupo chamado “Jovens Republicanos” carregava sacos pretos amarrados que pareciam conter cadáveres, com nomes de políticos que foram supostamente “vacinados VIP”.

Muitos/as, ao ver os sacos embrulhados, recordaram os trágicos “vôos da morte”, onde amarravam pessoas de pé e atiraram-nas vivas ao mar, durante a ditadura militar. Mas o mais grave foi ver, escrito num dos sacos, o nome de Estela de Carlotto, presidente das Avós de Plaza de Mayo.

Estela tem 90 anos e esperou sua vez, como qualquer pessoa comum, para ser vacinada, mas não é poCom esses filmes, poderão se dar conta de que a ditadura argentina, como a brasileira, não foi formada apenas por militares: também teve o apoio de grande parte da população civil, cúmplice do Terrorismo de Estado mais sangrento da América Latina. Esta ultradireita fascista e reacionária continua entre nós, e está mais viva do que nunca.

r acaso o ataque a um ícone da defesa dos Direitos Humanos do mundo. Estela e as Mães de Praça de Maio eram totalmente desprezadas pelo governo Macri. Estela chegou a falar, na época: “Nós pudemos com Videla, podemos com Macri.” Uma semana depois, o evento se repetiu, e deixaram outro saco simulando um cadáver em um recinto da Frente de Todos, agrupamento de partidos que apoiam o presidente Fernández.

Nada disso é aleatório. Não esqueçamos que, em setembro de 2020, a polícia ameaçou ao presidente em torno da Quinta Presidencial (já foram demitidos 400 policiais que participaram). Ainda assim, é inacreditável o comportamento da oposição, no meio de uma pandemia, promovendo o contágio e tentando colapsar o sistema de saúde só para criticar o governo.

Fizeram o possível e o impossível para boicotar um governo que, num primeiro momento, foi exemplo para o mundo. Com a mídia corporativa como parceiros, conseguiram fazer o país subir em mortes, mas o sistema nunca entrou em colapso porque a administração federal reforçou o sistema de saúde durante a quarentena. “Cada pessoa que precisou teve acesso a cuidados de saúde”, disse Fernández. Fatos, não opinião.

Recomendo três filmes: Capitán Kóblic, com Ricardo Darín, sobre os vôos da morte; Rojo (Vermelho Sol), de Benjamín Naishtat, sobre a cumplicidade civil na ditadura; e o premiado com o Oscar de melhor filme estrangeiro em 1986, A História Oficial.

 

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