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ENQUANTO O PAÍS REGISTRA números recordes de mortes diárias por covid-19, a Petrobras resolveu aglomerar trabalhadores em suas refinarias Brasil afora. A estatal ordenou a contratação de milhares de funcionários temporários para fazer manutenção de suas plantas produtoras de gasolina, óleo diesel ou outros combustíveis. Apinhados nas instalações, os petroleiros e terceirizados sofrem com surtos de contaminação pelo novo coronavírus. Pelo menos dez já morreram.
Cinco desses mortos trabalhavam na Refinaria Gabriel Passos, a Regap, em Betim, região metropolitana de Belo Horizonte. A Petrobras deu início à manutenção preventiva em duas unidades da planta no início de março, apesar dos pedidos de adiamento do Sindicato dos Petroleiros de Minas Gerais.
Por conta da manutenção, os cerca de 900 trabalhadores fixos da refinaria passaram a conviver com outros 2.300 temporários. Vestiários, refeitórios, portarias lotaram. A transmissão do coronavírus explodiu.
Na primeira semana do trabalho de manutenção, 80 dos cerca de 450 funcionários próprios da Petrobras que trabalham na Regap testaram positivo para o coronavírus. Segundo o sindicato, 11 deles continuam internados, e cinco foram intubados.
O surto motivou uma greve sanitária. A Petrobras recuou, adiou etapas da manutenção e reduziu em 70% o fluxo de trabalhadores temporários na refinaria. Para o sindicato, foi tarde.
“Uma parada escalonada, com menos trabalhadores, era o que pedíamos desde o início”, disse Guilherme Carvalho Alves, diretor do Sindicato de Petroleiros de Minas Gerais. “A produção de combustível é trabalho essencial, e a manutenção é necessária, mas poderia ser diferente”.
Pedido semelhante também foi feito por trabalhadores da Refinaria Landulpho Alves, a Rlam, em São Francisco do Conde, na Bahia. Deyvid Bacelar é coordenador-geral da Federação Única dos Petroleiros, a Fup, e petroleiro da Rlam. Segundo ele, a Petrobras adiou de 15 para 30 de março o início da manutenção. Poderia ter adiado mais.
“Unidades de refinarias param para reparos geralmente de três em três anos, mas há possibilidade de postergar”, explicou Bacelar. “Há normas editadas durante a pandemia que possibilitam o adiamento da parada na Rlam, mas a empresa nunca quis discutir isso”.
A norma citada por Bacelar é a portaria 15.797, de 2 de julho de 2020, editada pela Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia. Ela permitiu a postergação de inspeções de segurança de alguns equipamentos usados pela indústria do petróleo por conta da pandemia. Na época da edição da medida, a CUT, Central Única dos Trabalhadores, chegou a criticá-la por colocar em risco os trabalhadores. Hoje, porém, ela baseia argumentos de petroleiros da Rlam.
Trabalham na refinaria baiana normalmente cerca de 2.100 pessoas. Para a manutenção, o número de trabalhadores chegou a quase 4 mil. Desde que parte dos temporários chegou, ainda em fevereiro, um surto de coronavírus começou na refinaria. Duas mortes foram registradas, segundo o sindicato.
Uma auditoria de fiscais do trabalho chegou a ser iniciada na Rlam no início de março por conta covid-19. Fiscais também solicitaram o adiamento da parada de manutenção. A Petrobras argumentou que ela já havia sido postergada e que um novo adiamento poderia causar acidentes de “grande escala”.
Já na Refinaria Presidente Getúlio Vargas, a Repar, em Araucária, no Paraná, a contratação de trabalhadores temporários nem terminou e três mortes já foram registradas. A Petrobras iniciou nesta segunda-feira, 12 de abril, a parada de manutenção na refinaria. Para ela, ampliou o número de trabalhadores no local de cerca de mil para 3 mil.
Parte desse efetivo extra está na refinaria desde fevereiro, quando começaram os preparativos para a parada. Desde então, o número de mortes diárias por coronavírus no país subiu de aproximadamente mil para 4 mil. Mesmo assim, a manutenção da Repar começou.
“A Petrobras só aceitou adiar uma parte do início da manutenção para o próximo dia 26, mas isso é insuficiente”, disse o presidente do Sindicato dos Petroleiros do Paraná e Santa Catarina, Alexandro Guilherme Jorge. “O pior é que sabemos que 99% dos serviços programados para essa parada não são essenciais, poderiam ser adiados”.
Insatisfeitos, os petroleiros iniciaram uma greve sanitária. Contudo, entre os trabalhadores temporários contratados exclusivamente para a parada, a adesão é baixa. “Se um deles fica doente, não sabemos se haverá leito para ele se tratar”, reclama Jorge. “Além disso, sempre há risco de acidente em trabalhos como este. Se isso acontece, leva o trabalhador para onde?”
A mesma preocupação existe na Refinaria Abreu e Lima, que fica no complexo portuário de Suape, perto de Recife, em Pernambuco. Lá, a parada para manutenção está marcada para maio. Enquanto ela durar, o número de trabalhadores passará de 2 mil para cerca de 6 mil.
Rogério Almeida, coordenador do Sindicato dos Petroleiros de Pernambuco e Paraíba, disse que cerca de 2 mil temporários já estão na refinaria desde meados de março preparando a planta para manutenção.
Ele disse que o sindicato não consegue monitorar todos os casos de covid-19 na refinaria, já que há funcionários de diversas empresas diferentes trabalhando no local. O que se sabe é que Pernambuco tinha mais de 95% de leitos de UTI reservados para pacientes com o novo coronavírus ocupados na semana passada, o que eleva o risco de petroleiros eventualmente infectados não conseguirem tratamento.
“Não adianta ter plano de saúde”, disse Almeida. “Não tem vaga”.
Na Refinaria Duque de Caxias, a Reduc, na Baixada Fluminense do Rio de Janeiro, também não há dados exatos sobre infectados. Lá, a parada para manutenção começou no mês passado. O número de trabalhadores subiu de 1.700 para cerca de 4.800.
O diretor do Sindicato dos Petroleiros de Caxias, Luciano Santos, disse que informações que chegam a ele deixam claro que há um surto de covid-19 na planta. Na quinta-feira, 20 trabalhadores da Reduc estavam hospitalizados por conta do coronavírus.
Procurei a Petrobras, que não divulgou dados sobre a contaminação de trabalhadores em suas refinarias. A estatal informou que, até a última segunda-feira passada, 5 de abril, tinha 316 empregados de todas as áreas infectados em acompanhamento.
O Ministério de Minas e Energia, por sua vez, tem dados mais detalhados e mais preocupantes. Segundo o órgão, no dia 5, a Petrobras tinha 339 empregados contaminados e em quarentena. Tinha ainda outros 47 funcionários hospitalizados.
De acordo com o ministério, mais de 6 mil empregados da Petrobras já foram contaminados pelo novo coronavírus desde o início da pandemia. A empresa tem mais de 46 mil empregados. Isso quer dizer que 13% dos trabalhadores da empresa já contraíram covid-19.
A taxa de contaminação é praticamente o dobro daquela da população total do país. O Brasil tem cerca de 211 milhões de habitantes e mais de 13 milhões de infectados. Ou seja, cerca de 6% do total. Em outubro do ano passado, aliás, a Fiocruz já havia divulgado um estudo apontando a discrepância entre a taxa de infectados no país e na Petrobras.
A estatal informou que segue todos os protocolos de saúde para evitar a transmissão do novo coronavírus, inclusive nas paradas de manutenção de suas refinarias, como utilização de máscaras, fornecimento de álcool em gel e medição diária da temperatura dos trabalhadores. “Além disso, são realizados testes rápidos em 100% dos candidatos apresentados pelas contratadas antes de ingressarem na refinaria que são repetidos a cada 14 dias em todo contingente, promovendo o afastamento quando necessário”, completou a companhia.
Segundo a Petrobras, a manutenção das refinarias é “rotina obrigatória para garantia da segurança nas operações”. A estatal disse que chegou a adiar algumas paradas por conta da pandemia. “No entanto, por questões de segurança e confiabilidade operacional das instalações, não é possível realizar adiamentos indiscriminados”.
A companhia não detalhou o contingente de funcionários temporários contratados para a manutenção de cada uma de suas refinarias durante a pandemia. Explicou que as paradas na Repar, Reduc e Regap estavam inicialmente programadas para 2020, foram adiadas para 2021 e ainda tiveram seu cronograma adaptado.
A estatal ainda ressaltou que é responsável por prover serviços essenciais, como o fornecimento de combustíveis e energia que abastecem ambulâncias, hospitais e veículos de carga e transporte. Destacou que esses serviços “são indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis à sociedade brasileira”.