Se quiser fazer a necessária revolução social e democrática em direção a uma sociedade efetivamente mais justa e soberana, com base no desenvolvimento inclusivo e sustentável, o Brasil não poderá fugir ao acerto de contas com a eleição para o Congresso Nacional e demais casas legislativas.
Não é possível mais conviver com uma maioria parlamentar como a atual, na Câmara dos Deputados e no Senado da República, desprovida de quaisquer compromissos populares e nacionais, com rala convicção democrática e que faz da farra das emendas parlamentares e do abocanhamento de cargos na máquina do governo a própria razão de ser do mandato.
A distorção é flagrante: a população brasileira composta em sua maioria por trabalhadores pobres é subrepresentada de forma acentuada no Legislativo, dominado por lobistas do capital financeiro, do agronegócio e das grandes corporações. As bancadas da bíblia, da bala, da saúde e da educação privadas e outras excrescências pouco ou nada republicanas completam o quadro dantesco do Congresso.
Foram três parágrafos chovendo no molhado, dirão muitos. Mas foi apenas para enfatizar que já passou da hora de a esquerda e os setores democráticos encararem de frente uma realidade: não há projeto de nação viável quando uma escumalha dá as cartas no parlamento.
Quando o placar eletrônico da Câmara dos Deputados registrou 229 votos favoráveis ao retrocesso medieval do voto impresso, uma sensação dupla me assaltou: a de alívio pelo fato de o governo fascista estar longe de ter votos para mudar a Constituição em pontos que abalem a ordem democrática; e a de preocupação com o endosso de mais de duas centenas de deputados ao arreganho autoritário e golpista do descerebrado que ocupa a presidência da República.
Do impeachment sem crime contra a presidenta Dilma ao apoio de parte expressiva dos deputados à campanha caluniosa para tentar desmoralizar a urna eletrônica; da entrega do pré-sal às petroleiras estrangeiras à reforma da previdência, passando pela reforma trabalhista e pelo congelamento dos investimentos sociais previsto pela emenda 95, o Congresso de tudo tem feito para degradar as condições de vida do povo e solapar a soberania do país. Isso para falar só dos últimos cinco anos.
Por óbvio, a questão histórica da má qualidade do voto envolve múltiplos fatores e tem raízes profundas nos problemas educacionais do país, no baixo nível de consciência política da nossa gente, na miséria e na pobreza extremas que favorecem a compra e venda de votos, dentre outras mazelas.
Contudo, urge que a esquerda, especialmente seu maior partido, o PT, abandone a retórica em torno da importância vital da eleição de fortes e numerosas bancadas e adote ações práticas para atingir esse objetivo. Além qualificar as chapas com lideranças emergentes das mulheres, dos negros e jovens, além de figuras reconhecidas na sociedade como artistas, acadêmicos e personalidades de amplos setores da via nacional, é preciso mais.
Não basta dizer que a eleição de deputados e senadores é tão importante quanto à de presidente da República. Somente com a adoção de uma política resolutamente voltada para esse fim, incluindo recursos financeiros, tempo de rádio e TV, assessoria para atuação nas redes sociais e, sobretudo, apoio político das direções, será possível dar um salto quantitativo e qualitativo na formação das bancadas parlamentares do campo progressista.