Centenas de balsas e dragas bloqueiam trecho do Rio Madeira (AM) para garimpo ilegal - Bruno Kelly / Greenpeace
O garimpo ilegal é pratica comum nos rios da Amazônia, mas nas últimas semanas um boato de que haveria ouro nas proximidades do município de Autazes (AM) gerou uma corrida de garimpeiros ilegais até o local. No último sábado (27), uma operação conjunta do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (IBAMA), Marinha e Aeronáutica retirou os garimpeiros do local, mas as consequências para as pessoas que ficam na região é sem precedentes.
A professora Simone Pereira, da Universidade Federal do Pará (UFPA), que estuda os impactos que a água contaminada causa para as populações tradicionais afirma que os danos causados ao Rio Madeira serão sentidos por muitos e muitos anos.
Pereira tem doutorado em Química pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e atualmente é professora associada II da UFPA. Ela desenvolve pesquisas em vários rios da Amazônia, entre eles, o Rio Murucupi, em Barcarena, o Rio Xingu e o próprio Rio Madeira.
"Até hoje, na Amazônia, eu desconheço a existência de um rio que foi remediado para mercúrio. Essa é uma atividade muito perigosa e tem o lado da toxicidade do mercúrio que acaba contaminando tudo ao seu redor, inclusive, o próprio garimpeiro. Além disso, o mercúrio causa muitos problemas de saúde, principalmente neurológicos", afirma.
Segundo ela, há relatos de crianças e adultos na Amazônia com a Doença de Minamata, uma síndrome neurológica causada por severos sintomas de envenenamento por mercúrio. Os sintomas incluem distúrbios sensoriais nas mãos e pés, danos à visão e audição, fraqueza e, em casos extremos, paralisia e morte.
Simone detalha que existem quatro formas de mercúrio e uma delas é o reativo. De forma simplificada, depois de usado na atividade da mineração, o mercúrio fica solúvel e se agrega a formas de vida que servem de alimentação para os peixes como é o caso do plancton.
"O desafio é justamente retirar o mercúrio dessa cadeia. É igual você pegar uma colher de cloreto de sódio (sal) e colocar dentro de um copo de água. Enquanto ele é sal você enxerga, consegue retirá-lo, mas quando você o coloca em um copo d’água você continua a ver o sal? Não. Você não vê mais. A mesma coisa ocorre com o mercúrio reativo. Quando ele chega no rio, ele chega na forma solúvel e é praticamente impossível você recuperar um rio desses", diz a pesquisadora.
Garimpo ilegal
Entre os anos de 2019 e 2020 foram extraídas cerca de 49 toneladas de ouro com indícios de irregularidades de Terras Indígenas e de Unidades de Conservação, segundo um estudo da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Do total de extrações, 90% eram da Amazônia.
"Estamos há anos vendo as consequências para as populações. É comum encontrar criança com queda de cabelo, problemas de coordenação motora e tremores. Acho que além disso vale dizer que não é para o garimpeiro que devemos olhar com repúdio. Quem está comprando esse ouro? Para onde ele está indo? Os garimpeiros fazem a extração, mas quem compra o ouro deles?".
Nessa corrida pela mineração ilegal cerca de 1.800 garimpeiros se deslocaram para o Rio Madeira e desse total, apenas um foi preso, o que deixa forte indícios de que eles tiveram acesso a informação de que a operação seria realizada.
Para o coordenador do Fórum da Amazônia Oriental, Marquinho Mota, os crimes na Amazônia são cometidos com o anuência do governo federal. "A gente vê tráfico de drogas, tráfico de armas, tráfico de ouro, lavagem de dinheiro de uma forma nunca vista antes e de uma forma sem medo com o aval do governo. A pergunta que a gente tem que fazer é quem paga isso?", questiona.