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Para presidente do PSOL, seria uma 'honra' ser vice de Haddad

Mai 24, 2022

Por José Eduardo Bernardes, no Brasil de Fato                                                                                                                   

 

Segundo o psolista, Haddad “é um companheiro sério, que tem todas as condições de liderar um processo de reconstrução para o estado de São Paulo”.  - Foto: Divulgação/PSOL

O apoio do PSOL à candidatura de Fernando Haddad (PT) para o governo do Estado de São Paulo ainda está em debate. Há quem diga, dentro do partido, que uma candidatura própria seja o melhor caminho. Outros defendem que a união com o petista já no primeiro turno pode representar um gesto de contribuição do campo progressista para a primeira vitória da esquerda no Estado em 28 anos.
 
Este é o caso do presidente do PSOL, Juliano Medeiros. Segundo o psolista, Haddad “é um companheiro sério, que tem todas as condições de liderar um processo de reconstrução para o estado de São Paulo”. 

“Agora, é claro, o PSOL tem o seu tamanho, tem o seu peso, tem a sua importância e vai querer ocupar um papel de destaque também na construção dessa unidade aqui em São Paulo”, completa Medeiros. 
 
Convidado desta semana no BDF Entrevista, Medeiros inclusive pode ser a chave da consolidação do apoio do partido ao petista. Como contrapartida, o PSOL quer ocupar dois dos espaços ainda vagos na campanha deste ano do PT: o candidato ao Senado e o vice de Haddad e o nome do Partido Socialismo e Liberdade surge com uma possibilidade.

 
“Nós não estamos discutindo nomes ainda porque, primeiro, precisamos viabilizar a tática que a gente quer construir, essa tática da unidade. Claro que eu seria imensamente honrado caso a decisão do PSOL fosse de que eu representasse o partido, mas eu não sou pré candidato a nada no momento, tenho colaborado com a coordenação de campanha do ex-presidente Lula, que é composta pelos presidentes nacionais dos partidos”, afirma.
 
Na entrevista, Medeiros fala sobre a saída de quadros importantes do partido no último ano, como Marcelo Freixo, Jean Wyllys e Douglas Belchior, sobre a federação com a Rede, que deverá ser presidida pelo ex-candidato ao Palácio dos Bandeirantes, Guilherme Boulos, e sobre os intentos golpista de Jair Bolsonaro (PL).
 
“Eu acredito que nós temos que estar todos alertas. Não tenho nenhuma dúvida das inclinações golpistas de Bolsonaro e da sua disposição de afrontar o resultado das urnas em outubro deste ano”. 
 
“A questão é que nós também não podemos permitir que o Bolsonaro faça aquilo que a Eliane Brum chamou de “sequestro do debate público”. Ou seja, que a gente só debata Daniel Silveira, ameaças às urnas eletrônicas, ataques aos ministros do Supremo, e deixe de falar da inflação, da fome, do desemprego, da alta dos combustíveis, porque isso que o Bolsonaro está fazendo agora, ele fez também no início da pandemia”, completa.

 

Medeiros comenta ainda a liança do ex-presidente Lula com Geraldo Alckmin, exposta pelo PSOL. Segundo Medeiros, "a única forma de diminuir o impacto dessa decisão, que foi tomada pelo PT e pelo PSB, é assegurando que o Geraldo Alckmin tenha um papel mais discreto e menos relevante possível nessa campanha. Eu não estou entre aqueles que acreditam que o Geraldo Alckmin agrega do ponto de vista eleitoral, aquilo que pode ser relevante para que o Lula vença as eleições no primeiro turno, por exemplo".
 
Confira a entrevista na íntegra:

Sobre o cenário das eleições deste ano em São Paulo… após o Guilherme Boulos deixar a candidatura ao governo, a ideia é que o PSOL converse com o PT para emplacar um nome ao Senado, ou talvez, numa chapa com o Haddad, para o cargo de vice. É isso mesmo?
 
É, o PSOL, quando se reuniu logo depois da decisão do Guilherme Boulos, de concorrer a uma vaga à Câmara Federal que, aliás, foi um gesto de grandeza política do Guilherme, de saber da importância que tem para o PSOL fortalecer a sua presença na Câmara dos Deputados, inclusive para empurrar uma agenda de esquerda e de retomada dos direitos sociais, que não vai ser garantida só com a vitória do Lula, é preciso também uma bancada forte, um time forte de esquerda na Câmara Federal. 
 
O PSOL se reúne e, na sequência, aprova uma resolução, em que diz que vai buscar construir a unidade das esquerdas em São Paulo, mais ou menos nos termos em que a gente trabalhou nos últimos meses em relação à pré candidatura do Lula.
 
Eu sei que conversas foram desenvolvidas nos últimos meses e que uma das condições que o PSOL de São Paulo apresentou na campanha do [Fernando] Haddad e para o PT era a importância do PSOL e da federação PSOL e Rede, na verdade, que está em processo de legalização, estar representada na composição da chapa majoritária, que é uma chapa composta, na verdade, de três espaços: o espaço da candidatura ao governo, que hoje é representada pelo próprio Fernando Haddad, com essa federação entre o PT, o PV e o PCdoB; a vaga de vice e a vaga do Senado.
 
Isso foi manifestado já para a direção do PT. A gente sabe que havia um processo de conversas já com o Márcio França também em curso, para tentar demovê-lo da ideia de ser candidato a governador e compor essa unidade das esquerdas, eu não sei em que pé está isso nesse momento, mas o PSOL está fazendo essas conversas. Recentemente, a nossa direção estadual se reuniu novamente e abriu um processo de debates internos com a nossa militância. 
 
Porque, existem companheiros e companheiras que avaliam que é importante que o PSOL tenha candidato no primeiro turno. Então, não está decidido ainda se o PSOL terá candidatura própria ou apoiará o ex-ministro Fernando Haddad. Eu, por exemplo, sou da tese de que vale a pena buscar construir essa unidade em torno do Haddad. 
 
Acho que é um companheiro sério, que tem todas as condições de liderar um processo de reconstrução para o estado de São Paulo, depois de 28 anos de tucanato. Agora, é claro, o PSOL tem o seu tamanho, tem o seu peso, tem a sua importância e vai querer ocupar um papel de destaque também na construção dessa unidade aqui em São Paulo. 
 
E o Haddad está muito bem posicionado nas pesquisas. Como você falou, após muitos anos de PSDB em São Paulo, há uma chance real de vitória e o PSOL, também, se posicionou muito bem desde a eleição de 2020, quando o Guilherme Boulos chegou até o segundo turno. Esse nome poderia ser o teu, Juliano, tanto para o Senado quanto para ser candidato a vice na chapa com Haddad?
 
É, nós não estamos discutindo nomes ainda porque, primeiro, precisamos viabilizar a tática que a gente quer construir, essa tática da unidade. Claro que eu seria imensamente honrado caso a decisão do PSOL fosse de que eu representasse o partido, mas eu não sou pré candidato a nada no momento, tenho colaborado com a coordenação de campanha do ex-presidente Lula, que é composta pelos presidentes nacionais dos partidos. Estou focado nisso. Se as discussões do processo de diálogo com o PT e com o Haddad avançarem, aí o PSOL vai avaliar qual é o melhor nome para ocupar esse espaço.
 
Mas tem um desejo pessoal? Eu lembro de você falar um tempo atrás que não tinha isso, que queria muito mais servir ao partido, como o presidente.
 
Não tenho. Você sabe que são já 23 anos de militância política, desde a época do movimento estudantil secundarista, quando eu comecei a militância política no interior do Rio Grande do Sul, nunca fui candidato a nada. Claro, no movimento social, candidato a presidente do grêmio estudantil, à diretora da UNE, à presidente do PSOL. Mas nunca disputei uma eleição para vereador, deputado, senador ou para algum cargo majoritário.
 
Não tenho esse desejo pessoal, não é algo que eu faria por vontade. É algo que eu faria para colaborar com nosso projeto. Se os companheiros e companheiras entenderem que que seria o melhor. Mas como eu disse, é um processo que está em debate ainda e, no momento certo, o PSOL vai abrir essa discussão, inclusive abrir a oportunidade para que outros nomes também possam ser cogitados. Espero eu que o PSOL possa estar presente nessa chapa, com protagonismo e dando a sua contribuição para viabilizar um programa de esquerda em São Paulo.
 
A federação com a Rede foi, de alguma maneira, criticada por parte do PSOL. Passado algum tempo das discussões e às portas dessa confirmação, você avalia que ela vai ser importante, apesar das diferenças programáticas entre os partidos? 
 
Com certeza, a federação com a Rede foi feita com um partido que tem lutado junto conosco contra o governo Bolsonaro. A Rede votou 95% das proposições legislativas em Brasília com o PSOL. Então, do ponto de vista da ação política, são dois partidos muito alinhados. É claro que o PSOL é um partido socialista, um partido que afirma claramente a sua vocação de superação do capitalismo. 
 
E a Rede é um partido de orientação sustentabilista. Claro que são projetos que são complementares, mas não são antagônicos. Além do que, do ponto de vista eleitoral, é muito importante para o PSOL essa federação, porque ela garante a superação da cláusula de barreira. É uma medida antidemocrática, que foi criada para calar os partidos ideológicos. 
 
Basta lembrar, em 2018, que partidos históricos como o PCdoB, por exemplo, não superaram essa cláusula e nós não podemos correr o risco. Nosso projeto é muito importante para o país e para a esquerda brasileira, para que a gente corra o risco de perder a nossa legalidade partidária, o nosso pleno funcionamento. 
 
É muito importante para a Rede também, porque não atingiu a sua cláusula de barreira em 2018, e passou esses quatro anos funcionando com muitas dificuldades. Então, também é importante para a democracia brasileira, que a Rede possa ter o seu pleno funcionamento assegurado e acho que também, de alguma forma, essa união fortalece a centralidade do debate ambiental na esquerda brasileira, que é um debate que, nos últimos anos, tem ganhado força, mas que ainda é muito lateral. 
 
A esquerda no Brasil ainda está muito marcada por uma perspectiva desenvolvimentista, industrialista e que acredita ainda, em grande parte, que o desenvolvimento das forças produtivas vai resolver todo o nosso problema, os passivos históricos que marcam a nossa formação social. 
 
Nós achamos que é preciso, acima de tudo, neste momento, pensar um projeto de superação das desigualdades, que também contemple o tema do respeito ao meio ambiente, de um equilíbrio entre as diversas formas de vida, não só os seres humanos. Isso tudo ganha maior centralidade, na medida em que o PSOL e a Rede caminham juntos, colocando a defesa do meio ambiente como uma agenda central para a esquerda no país.
 
Você vê com bons olhos uma reforma política que, por exemplo, reveja essa questão da cláusula de barreira? É possível que ela seja implementada ou discutida, mesmo nessa próxima legislatura?
 
Hoje, com a atual correlação de forças que nós temos na Câmara, qualquer mudança que venha a ser feita, vai ser feita para piorar o sistema eleitoral brasileiro. Hoje, lamentavelmente, aquelas para mim que são as medidas que poderiam realmente aprimorar o nosso sistema político, estão tão longe de ter apoio da Câmara dos Deputados como, por exemplo, a lista partidária fechada, o voto em lista, com definição dos partidos na lista de candidatos, paridade de gênero ou reserva de vagas nas casas legislativas.
 
Uma série de medidas que, para mim seriam muito importantes para realmente mudar o caráter do nosso sistema político estão muito longe de ter apelo. No ano passado, a Câmara estava reunida para tentar aprovar o distritão, para tentar aprovar a flexibilização das cotas, que exigem uma presença mínima de mulheres nas chapas proporcionais, ou seja, tudo que estava em debate na Câmara nos últimos meses tinha como propósito regredir, piorar o sistema eleitoral e o sistema político no país. 
 
Hoje, eu não tenho grandes esperanças que nós possamos ter mudanças. Agora, eu acho que há mudanças que são muito bem-vindas. Se fala muito do tema da fragmentação partidária no Brasil, mas o problema não é a quantidade de partidos, mas a qualidade desses partidos. Muitos partidos que não são ideológicos, partidos que são fisiológicos e não são só pequenos partidos. 
 
Poderia citar meia dúzia de partidos pequenos, partidos de aluguel, que não tem nenhuma relevância ou identidade política. O problema no Brasil são os grandes partidos fisiológicos. Os partidos que não têm também nenhuma identidade política clara, marcada, e que tem grande peso na política brasileira. 
 
Acho que a reforma que tinha que ser feita no país é uma reforma para reforçar os projetos políticos na sociedade brasileira. E acho que a melhor medida, dentre elas, seria a adoção do voto partidário, voto em lista fechada. 
 
É um tema polêmico, porque também se desenvolveu uma cultura no eleitorado brasileiro de votar nos seus candidatos a deputados, esse voto, que é quase compreendido como um voto majoritário, como um voto nominal, embora na verdade seja um sistema proporcional, onde os partidos elegem deputados na proporção dos votos que toda a chapa conquistou. Algumas medidas seriam muito bem-vindas e o fim da cláusula de barreira seria uma delas. 
 
O PSOL foi o único partido que votou contra a cláusula de barreira, quando foi votado o relatório da reforma política em 2017. Eu lembro, eu estava na Câmara, trabalhava na liderança do PSOL, mesmo os partidos de esquerda que depois seriam vítimas da cláusula, como a Rede, o PCdoB, votaram a favor. Naquele momento, nós alertamos: “olha, essa é uma medida perigosa, que pode atingir os partidos de esquerda e também os partidos ideológicos”. E foi o que aconteceu. 
 
Eu acho que a cláusula não é o que resolve a fragmentação, tem outras mudanças que seriam muito mais efetivas e provocariam bem menos distorções para ajudar a resolver esse problema. 
 
A chapa do ex-presidente Lula com o ex-governador Geraldo Alckmin também foi bastante criticada. Eu avalio como importante para o contexto dessa eleição do país, mas também sabe-se que os movimentos populares que atuam em São Paulo tiveram dificuldades durante os anos do PSDB no estado. Como equalizar isso? 
 
Eu acho que a única forma de diminuir o impacto dessa decisão, que foi tomada pelo PT e pelo PSB, é assegurando que o Geraldo Alckmin tenha um papel mais discreto e menos relevante possível nessa campanha. Eu não estou entre aqueles que acreditam que o Geraldo Alckmin agrega do ponto de vista eleitoral, aquilo que pode ser relevante para que o Lula vença as eleições no primeiro turno, por exemplo.
 
O Alckmin não trouxe nenhum governador com ele, não trouxe nenhum senador, não trouxe nenhum deputado. O Alckmin, do ponto de vista eleitoral agrega praticamente nada a essa chapa. Mas, traz consigo a marca de uma Polícia Militar violenta e repressiva, traz a marca do despejo do Pinheirinho, traz a marca da repressão às ocupações de escola, traz a marca da repressão aos protestos de junho de 2013. 
 
Por isso, nós do PSOL, desde o primeiro instante, manifestamos nosso desconforto com essa hipótese, que agora não é mais uma hipótese, já é uma realidade. A gente avaliou que, apesar do Alckmin, valia a pena fazer esse esforço de construir essa unidade. Mas o PSOL, desde o início, deixou claro que achava que seria muito melhor, para a afirmação de um projeto de alternativa a esse que está aí, ao invés de colocar alguém que bateu palmas para a prisão do Lula, alguém que apoiou o impeachment contra a Dilma [Rouseff], alguém que apoiou a reforma trabalhista, a reforma da previdência, colocar alguém que representasse a luta por direitos.
 
Imagina que bonito seria se, junto com o Lula, nós tivéssemos uma médica sanitarista, por exemplo, que enfrentou com coragem a pandemia do coronavírus. Imagine se, ao invés do Alckmin, nós tivéssemos um professor, ou uma professora, como um símbolo de valorização das instituições de educação pública. Imagina se nós tivéssemos um militante do movimento social, um Sem Teto, um Sem Terra, um indígena. 
 
Eu acho que isso seria muito mais importante para reafirmar de que lado o Lula está e, claro, me preocupa o Lula, apesar de gozar de boa saúde, ele é um sujeito que vai fazer 78 anos, esse ano, e ter como vice, alguém que não represente um projeto alternativo para o país é sempre perigoso. Ademais, as elites do país já demonstraram, mais de uma vez, que não tem nenhum pudor em utilizar mecanismos como o impeachment, para interditar processos de mudança. 
 
Você inclusive falou, em um artigo recente, sobre a proposição de pautas dessa eleição que, ao contrário do último pleito marcado por pautas da direita, essa poderia ser uma oportunidade de debater pautas caras à classe trabalhadora. O Brasil não está dividido demais e o Bolsonaro, talvez, tente emplacar, mais uma vez, essas pautas de costumes?
 
Não tenho dúvida de que ele está dividido, e não tenho dúvida de que o Bolsonaro vai tentar fazer isso. O que eu defendo é que o nosso papel é de falar para as maiorias. É a maioria do povo brasileiro, da classe média, que está vivendo os impactos do desemprego, do aumento dos combustíveis, da inflação, da volta da fome, da violência urbana. 
 
A primeira disputa que nós vamos ter que travar é exatamente a disputa sobre a agenda dessas eleições, se as eleições vão ter como agenda, como foi em 2018, o combate à corrupção, o anti comunismo, Cuba e Venezuela, o kit gay e outras questões que foram levantadas pelo Bolsonaro, para dividir a sociedade brasileira em 2018, ou se nós vamos falar para as maiorias, falar desses temas que são os temas que hoje afligem a imensa maioria do povo.
 
O segundo desafio, depois de definir o tipo de campanha que nós vamos enfrentar, é a nossa postura diante dessa campanha. Eu acho que não cabe à candidatura do Lula e aos partidos que eu apoio, esconder as nossas posições de combate às desigualdades sociais, de um outro modelo econômico, de um outro modelo tributário fiscal, de uma nova relação com o meio ambiente, da afirmação dos direitos das mulheres, negros e negras, LGBT. 
 
Eu espero e fiquei bastante bem impressionado com a fala do ex-presidente Lula no lançamento do movimento de unidade que está se construindo em torno da candidatura dele, no último dia 7 de maio, que ele afirmou essa agenda. Falou de racismo estrutural, falou de direitos das mulheres, falou dos direitos indígenas, isso é muito importante também para afirmar qual é o projeto que quer se levar adiante agora.
 
Além disso, também é muito importante colocar no centro da agenda, o debate sobre os grandes problemas que hoje afligem, e que mais, permitem uma conexão das esquerdas com a maioria do povo brasileiro. Acho que essa deve ser a nossa tática para enfrentar a eleição, vencer a eleição, para depois seguir a luta pela posse, que vai ser uma luta também que nós vamos ter que enfrentar no dia seguinte. E claro, uma vez empossado o Lula, a gente também tem que lutar para que os compromissos firmados na campanha sejam devidamente cumpridos.
 
Como você tem visto essa questão que é levantada todos os dias pelo Bolsonaro, sobre tentar atrapalhar o jogo eleitoral? Você acha que parte da imprensa tradicional tem feito, de alguma maneira, um certo alarde com esse tema? Se fala sobre isso todos os dias, as falas do Bolsonaro são replicadas todos os dias também. Você também está neste estado de alerta em relação às eleições e uma possível desestabilização ainda maior da nossa democracia?
 
Eu acredito que nós temos que estar todos alertas. Não tenho nenhuma dúvida das inclinações golpistas de Bolsonaro e da sua disposição de afrontar o resultado das urnas em outubro deste ano. Não tenho nenhuma dúvida de que o Bolsonaro está disposto a fazer confusão e a melar o processo eleitoral. 
 
A questão é que nós também não podemos permitir que o Bolsonaro faça aquilo que a Eliane Brum chamou de “sequestro do debate público”. Ou seja, que a gente só debata Daniel Silveira, ameaças às urnas eletrônicas, ataques aos ministros do Supremo, e deixe de falar da inflação, da fome, do desemprego, da alta dos combustíveis, porque isso que o Bolsonaro está fazendo agora, ele fez também no início da pandemia.
 
Se você lembrar, no início da pandemia, quando se discutia quais eram as medidas para as pessoas se prevenirem: usar o álcool em gel; usar a máscara; ficar em casa; fazer a quarentena até que se pudesse ter uma vacina, o Bolsonaro ficou tentando dar Cloroquina para uma Ema, no Jardim do Palácio do Planalto. Bolsonaro tentou brigar com os governadores, os prefeitos. 
 
O que o Bolsonaro estava fazendo naquele momento? Estava disputando a agenda pública, ele estava querendo que as pessoas falassem sobre o comércio aberto, o comércio fechado, sobre a eficiência da Cloroquina e não falassem da sua incompetência, que não conseguiu trazer os brasileiros que estavam fora do país, que não conseguiu trazer a vacina, que permitiu a tragédia que nós vimos em Manaus. Então, era uma forma também de disputar qual era o debate que a sociedade deveria fazer naquele momento. 
 
Eu acho que o Bolsonaro está fazendo a mesma coisa agora. Felizmente, na pandemia, quem ganhou essa queda de braço fomos nós. Porque, o que o país fez foi se vacinar, usar máscara, usar o distanciamento, fazer medidas de proteção aos mais vulneráveis, aprovou Auxílio Emergencial, graças ao trabalho da oposição. Essas medidas representam uma vitória da oposição sobre o Bolsonaro, nessa tentativa de monopolizar o debate público.
 
O que nós estamos vivendo hoje é a mesma coisa. O Bolsonaro quer que a gente passe o tempo todo falando das suas diatribes, do Daniel Silveira, das ameaças às urnas, da briga com o Supremo. Nós temos que falar disso, é claro, eu não vou propor aqui que a gente deixe de falar e denunciar aquilo que o presidente da República faz, seria uma postura completamente inaceitável para um partido de oposição, mas acho que nós temos que centrar nosso debate com as maiorias sociais, em torno dos problemas mais urgentes do povo brasileiro.
 
Voltando a falar do PSOL, o partido perdeu alguns quadros importantes no último ano, com a saída repentina de alguns nomes importantes como Marcelo Freixo, Jean Wyllys, Douglas Belchior, entre outros. Por que? 
 
Poderia citar também vários que entraram no PSOL, mas eu acho que o principal é o seguinte: O PSOL foi o partido de esquerda que mais cresceu desde o início do governo Bolsonaro. Nosso crescimento foi de 48%, só ficamos atrás do Podemos e de um outro pequeno partido de direita [Republicanos] que era muito pequenininho, cresceu um pouco, então, em termos percentuais, parece muito. 
 
Isso, do meu ponto de vista, é uma representação de como o PSOL gradualmente vai se tornando uma alternativa para os militantes de esquerda, para os militantes progressistas, que reconhecem a importância do PT, que reconhecem a importância do PCdoB, que reconhecem a importância de outros partidos do campo da esquerda e da centro-esquerda, mas que querem viabilizar um projeto de renovação da esquerda brasileira.
 
Um projeto que coloque no mesmo patamar a luta por direitos, a luta por emprego, por democracia, por soberania nacional, no mesmo patamar da luta feminista, da luta antirracista, da luta contra a homofobia, da luta pelos direitos humanos e pelo meio ambiente. Acho que nós buscamos representar, nos últimos anos, um projeto de esquerda moderna, de esquerda combativa, de esquerda socialista, mas conectada com as lutas do nosso tempo.
 
E isso é o que tem feito o PSOL ter esse crescimento impressionante, de quase 50% ao longo de 3 anos e meio. É claro que, nesse processo, as pessoas vão entrar e as pessoas vão sair, isso é parte do jogo. E acho que é direito, de quem não tem mais identidade com o nosso projeto, quem quer fazer uma política mais tradicional, quem quer buscar alianças com partidos que o PSOL não quer se aliar, que esses companheiros saiam do PSOL, acho que isso é natural.
 
É normal que, quem não tem identidade com um projeto de esquerda independente e combativo, vai procurar outro projeto, isso é normal, e esses companheiros seguem tendo o nosso respeito. 
 
Há uma batalha travada, principalmente no Twitter, entre pessoas mais radicais à esquerda e um campo progressista, talvez mais moderado. Você, inclusive, já ficou nesse fogo cruzado em algum momento. Como é que você tem visto esse cenário das redes, hoje?
 
Naturalmente, como todos os ambientes que atravessam, ou que são atravessados pelo debate político no Brasil, tem muita polarização e acho que isso é normal. A situação é muito grave, nós passamos por um período muito difícil, em particular na pandemia, quando a mobilização social sofreu uma regressão importante. 
 
Isso alimentou muita ansiedade e muita frustração entre militantes e ativistas de esquerda. É claro que, nem todo mundo compreende da mesma forma, o debate em torno da unidade, que não deve ser, realmente, fetichizado, não deve se transformar, para nós, em uma coisa sagrada: “temos que estar juntos sempre, independente das diferenças”. Não. 
 
A unidade pressupõe base política, o que significa acordos programáticos, acordos eleitorais, trabalho conjunto, e nós, do PSOL, buscamos colocar esse tema da unidade em primeiro plano. Mas nós não suprimimos as diferenças que existem, por exemplo, com o ex-presidente Lula e outros nomes, e partidos da esquerda Brasileira. Acho que é preciso achar um equilíbrio.

Agora, sem dúvida que tem um certo exagero aí, digamos assim. E posso citar o exemplo da reação que houve em relação às declarações da Rita von Hunty, que é uma pessoa que tem um trabalho importante, pedagógico, de defesa do marxismo, que expressou que preferia votar no Lula só no segundo turno, que no primeiro turno preferia fazer um voto mas afinado com as suas convicções ideológicas. A reação, do meu ponto de vista, foi absolutamente desproporcional.
 
O ex-presidente Lula está na liderança das pesquisas eleitorais, mas Bolsonaro tem se aproximado. Qual será o clima dessa eleição? Vamos viver, de fato, uma polarização, ou ainda há espaço para um nome da terceira via? 
 
Começando pela terceira via, que virou uma coisa meio ridícula. Nesse momento, se discute uma intervenção judicial para garantir o resultado da prévia no PSDB. O MDB lançou a Simone Tebet, mas metade do partido quer votar no Bolsonaro, ou no Lula. O Ciro, da sua casa, do seu escritório, grava lives bradando contra as nuvens, contra Lula e contra Bolsonaro. Então, a terceira via virou uma piada. 
 
Não há espaço para a terceira via, a eleição vai ser polarizada entre Lula e Bolsonaro. Aliás, há uma tendência de antecipação do comportamento do eleitor, do que seria um segundo turno, já para o primeiro turno. Portanto, eu prevejo uma eleição duríssima, uma eleição muito disputada, muito tensionada, onde o Bolsonaro vai tentar o tempo todo deslegitimar o processo eleitoral, para poder construir a narrativa de resistência da extrema direita, em caso de derrota. Acho que vai ser uma eleição muito difícil, muito dura. 
 
E, apesar de uma eleição muito difícil, muito dura, não descarto a possibilidade, mediante algumas condições muito particulares, do Lula vencer no primeiro turno. Não descarto que o Lula faça, por exemplo, 45% dos votos válidos e que Bolsonaro faça 40%, 35%, dos votos válidos e você tem um cenário onde, o que seria a terceira via, os partidos de centro-direita e o próprio Ciro, estejam comprimidos para fazerem não mais do que 10% somados.
 
Acho muito importante, quero enfatizar isso, que o Lula tenha uma vitória maiúscula nessa eleição. Uma vitória de 52% a 48%, 51% a 49%, uma vitória apertada, é a senha que a extrema direita quer para poder questionar o resultado das eleições e fazer muita confusão nesse país.
 
Eu, no lugar do Ciro, por exemplo, em nome da democracia, retiraria essa candidatura imediatamente, para garantir a vitória do Lula no primeiro turno. O PSOL, que tem diferenças com o Lula e com o PT, teve a grandeza de não ter candidato à presidência da República. Já antevendo essas dificuldades, esse cenário. Por que os outros partidos também não podem fazer o mesmo? 
 
Prevejo uma lição difícil, mas que com uma forte mobilização, mantendo uma posição firme de esquerda, pode levar o Lula a uma vitória no primeiro turno e claro, depois disso, no dia seguinte, fazer uma mobilização para garantir a posse, mobilização para garantir um governo de esquerda.

Edição: Rodrigo Durão Coelho

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