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Xadrez sobre as saídas negociadas e as autoritárias

Jun 01, 2022

Por Luiz Nassif, no Jornal GGN                                                                                                        

 

No programa TV GGN 20 Horas de ontem, procurei avançar alguns raciocínios sobre o projeto Lula de governo e os projetos alternativos autoritários de Nação, em torno de alguns conceitos que expus no “Xadrez da ultradireita e de Lula, a última esperança liberal”. E também avançar em algumas explicações sobre a lógica dos grupos radicais que tentam ocupar espaço político.

Uma boa síntese dessas idéias está no livro “O velho está morrendo e o novo não pode nascer”, da americana Nancy Fraser, com um belo prefácio à edição brasileira de Vitor Marques.

Peça 1 – o anti-identitarismo

Militante da geração de 1968, a autora se desiludiu com o fracasso da gestão Barack Obama, entusiasmou-se com a possibilidade Bernie Sanders e tentou decifrar os caminhos do liberalismo.

Dividiu os liberais em dois grupos, os liberais-reacionários e os liberais-progressistas, ambos empenhados em preservar os pontos centrais do liberalismo, a financeirização e a enorme concentração de renda trazida pelo modelo. O papel do liberal-progressista seria apenas o de conferir glamour ao liberalismo, preservando seus vícios.

É por aí que se entendem as críticas às pautas identitárias. Segundo as críticas, elas se limitariam a atender às demandas dos grupos mais ativos, mas sempre individualmente, dentro das regras da meritocracia. Aumentam o número de negros, mulheres e pobres nas universidades, nas empresas, nos postos de gerência, mas mantém intocadas as estruturas que conservam na mais profunda exclusão o grosso dos negros, mulheres e pobres.

O caminho adequado não seria o não-reconhecimento dos direitos de auto-defesa das minorias, mas a conscientização maior desses grupos de que, embora com suas especificidades, integram o grande mundo dos excluídos e só a política trará soluções definitivas.

Mesmo sendo críticos do liberalismo progressista, no entanto, os radicais reconhecem nele uma possibilidade maior de mudanças do modelo, dependendo obviamente da correlação de forças.

Peça 2 – o caso Lula

A grande questão é que, a partir da crise de 2008, o fim da hegemonia absoluta do liberalismo abriu espaço para toda sorte de propostas alternativas. Os vícios do liberalismo tornaram-se explícitos demais, ainda mais com o desnudamento do que prometia, com a lição de casa: o crescimento beneficiando a todos. No caso brasileiro, o desmonte do Estado, iniciado com o governo Temer, acelerou essa decepção com o modelo.

Lula foi o representante mais bem-sucedido desse liberalismo progressista. Deu voz aos sindicatos, aos movimentos sociais, criou políticas sociais inovadoras e bem sucedidas, tirou o Brasil do Mapa da Fome, reduziu as desigualdades. Por essa obra mereceu os elogios de Obama, ele próprio prisioneiro da estrutura de forças do mercado. Mas não arranhou as bases do modelo, a financeirização absurda da economia, a concentração de renda.

Ressalve-se que seus dois governos aconteceram em pleno apogeu do neoliberalismo, como modelo econômico e de relações sociais. E ninguém escapou incólume dessa hegemonia, nem o PT, nem a social-democracia europeia. Lula rompeu com os dogmas apenas a partir da crise de 2008, empurrado pelo Sr. Crise. 

2008-2010 foram dois anos gloriosos que projetaram o Brasil de Lula como modelo para a social-democracia europeia e mundial, assim como para o sindicalismo americano. Logo que terminou seu governo, aliás, Lula fez uma longa maratona de palestras para os dois públicos. 

Agora, tenta montar um largo arco de alianças visando viabilizar seu próximo governo, em um momento em que caem por terra todos os dogmas do liberalismo. A partir daí, há uma certeza e muitas dúvidas.

As dúvidas são em relação às mudanças mais profundas do modelo, a redução da financeirização, a interferência nos juros e spreads bancários, a tributação do capital, as medidas restringindo a atuação das grandes redes, em detrimento do pequeno comércio. Ou seja, tudo o que implica em confronto depende da correlação de força fica sob dúvida. Mas há o fato novo, que é o fim da hegemonia ideológica do neoliberalismo no mundo.

É por aí que se apegam os radicais.

Peça 3 – as soluções autoritárias

Para os militares do Projeto de Nação, para os pouco seguidores de Aldo Rebelo, para os 8% de Ciro Gomes, não há saída na política negociada. As forças da financeirização seriam influentes demais para permitir mudanças através do jogo político convencional.

Como romper o nó?

Todos os ensaios implicam uma ideia central, proposta por um iluminado, e que deve ser apoiada sem questionamentos. Como na guerra, não há espaço para questões identitárias, para defesa do meio ambiente, para questionamentos políticos, nada que desvie o foco das propostas salvacionistas. 

Pode-se chegar a esse resultado por dois caminhos. O primeiro, pela reeleição de Bolsonaro, acabando com a alternativa Lula e aprofundando definitivamente a crise até o ponto de ruptura. O empenho com que Ciro ataca Lula faz desconfiar de que aposta nessa saída. O segundo, se Lula falhar em sua tentativa de aprofundamento da democracia.

De qualquer modo, a visão radical será relevante como contraponto às pressões de mercado. Espera-se que Lula tenha ideias claras sobre os riscos de não aprofundar as reformas sociais e econômicas.

 

 

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