Fotomontagem RBA
Quem “quebrou” o Brasil? Um grupo de economistas, com o reforço de uma cientista política, se muniu de dados com a intenção de demonstrar que isso não aconteceu nos governos petistas, mas nos que se seguiram a ele, a partir do impeachment de 2016. O resultado é o livro Crescer e distribuir é possível! Confrontando a narrativa golpista sobre a economia e o PT, lançado na noite de ontem (26), com um debate na Fundação Perseu Abramo, em São Paulo.
Com praticamente uma centena de dados e fatos, lembra Fagnani, que o usa os termos “falsidade histórica” e “farsa” para se referir ao impeachment e ao que se seguiu ao processo. O que aconteceu, dizem os autores, foi a volta do ultraliberalismo econômico, conduzindo o país para o “desastre econômico e social” dos governos Temer e Bolsonaro.
Economistas do “mercado”
“Trata-se de uma poderosa narrativa fake engendrada por “economistas do mercado”, e amplamente difundida pela mídia corporativa, voltada para criminalizar a esquerda, destruir o PT, justificar o golpe parlamentar de uma presidenta democraticamente eleita, impedir a candidatura de Lula em 2018 e retomar a agenda ultraliberal no Brasil” assinala Fagnani.
Com 28 artigos distribuídos em 128 páginas, o livro traz desde os temas mais relacionados ao debate estritamente econômico, como dívida externa, dívida pública, taxa de investimento e juros, como assuntos do dia – emprego, inflação, cesta básica, moradia, crédito. E questões estratégicas, como a Previdência e o papel da Petrobras na economia brasileira. É assinado por Fagnani (Universidade Estadual de Campinas, a Unicamp), Gerson Gomes (Centro de Altos Estudos do Brasil para o Século 21) e Guilherme Mello (também da Unicamp).
Erros e acertos
Os autores salientam que o país melhorou no período petista. “Entre erros e acertos, o Brasil avançou em praticamente todos os indicadores econômicos e sociais relevantes. Houve mais acertos – e mais relevantes – que os erros inevitáveis em 13 anos de governo. Eventuais desacertos de dosagem e no desenho das políticas públicas não ofuscam os enormes avanços promovidos nesse ciclo” afirmam.
Assim, o objetivo da obra é apresentar dados em oposição ao que chamam de “narrativa fake“. Alimentada pelos ditos “economistas de mercado”. Para “justificar” e abrir caminho, acrescentam, ao impeachment de 2016.
Discurso mentiroso
“Os fatos apresentados neste livro demonstram que o discurso dominante é mentiroso e só serve aos interesses dos protagonistas da farsa do impeachment”, reforça na apresentação o presidente da FPA, o ex-ministro Aloizio Mercadante. “O Brasil quebrou, isso sim, por efeito da revanche neoliberal imposta pelos governos Temer e Bolsonaro, que mergulharam o país na mais grave crise socioeconômica e humanitária da história, tornando claro que as promessas e narrativas dos que apoiaram a farsa do impeachment não se cumpriram.”
No debate, os economistas sustentaram que os governos Lula e Dilma conseguiram conciliar crescimento econômico e distribuição de renda. O Brasil reduziu a vulnerabilidade externa, fortalecendo assim a economia doméstica. E salientam que a gestão Lula, principalmente, não foi apenas beneficiada por um boom econômico internacional – até porque também enfrentou uma crise global desencadeada nos Estados Unidos. E também não teve lastro somente no consumo. Os investimentos tiveram papel importante nesse processo. Marcado também por redução da pobreza, aumento do crédito e expansão do emprego formal.
“O crescimento foi impulsionado pelos investimentos, pelo crédito e pelo mercado interno de consumo assalariado formado a partir de políticas de distribuição de renda, de redução da pobreza, de expansão e formalização do emprego e de aumento e democratização do crédito, cuja maior virtude foi a melhora expressiva das condições de vida dos mais pobres”, diz ainda Mercadante.
Reservas internacionais
“O Brasil quebrou quando tinha 16 bilhões ou quando tinha 370 bilhões (de dólares) em reservas internacionais?”, questiona Fagnani, citando o valor deixado pelos governos petistas. “Além da redução da vulnerabilidade externa, que é uma coisa importantíssima, houve melhoria dos fundamentos macroeconômicos.” As gestões conseguiram reduzir a dívida pública líquida e controlar a inflação, fomentando o crédito via bancos públicos. “Os críticos dizem que o crescimento do PT tem a ver com o boom da economia. Mas esquecem de dizer que você tem uma bomba, que é a crise financeira em 2007 e 2008 que caiu no colo do PT.”
Ainda assim, acrescenta, houve “redução significativa da pobreza, da desigualdade da renda, aumento do gasto social, democratização do crédito, aumento do consumo das famílias”. Fagnani critica os “movimentos narrativos falaciosos” que segundo ele intoxicaram o discurso midiático sobre a economia brasileira.
Impeachment e Lava Jato
Guilherme reafirma que o processo de crescimento da economia brasileira não foi apenas puxado pela “onda internacional” e pelo consumo, mas em boa medida pelos investimentos. E enfrentando duas ondas de crise, a americana e a europeia. Ele cita também fatores políticos que influenciaram a economia: um dia depois de Dilma Rousseff ser reeleita, segundo o professor, já havia artigo na mídia defendendo o impeachment. E com o principal partido de oposição pedindo recontagem de votos. Seguiu-se a isso a Operação Lava Jato, que aos poucos “começa a virar um partido”.
A cientista política e jornalista Maria Inês Nassif chama justamente a atenção para os movimentos visíveis e invisíveis por trás dos processos políticos e econômicos. A queda de Dilma e a prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com a consequente eleição de Jair Bolsonaro “são produto da combinação perfeita de conspirações”, escreve Maria Inês em seu artigo no livro.
Capital volátil e juros
Um “inimigo visível” era o sistema financeiro. “O Brasil, que foi o parque de diversões do capital volátil nos anos 90, ostentando taxas de juros mais altas do mundo, assistia agora o Banco Central reduzir a taxa Selic ao patamar praticado internacionalmente”, lembra a jornalista. Inimigos invisíveis surgiram a partir das manifestações de 2013 e de interesses norte-americanos.
Para o professor Antonio Corrêa de Lacerda (PUC), presidente do Conselho Federal de Economia, uma das marcas dos governos petistas foi a tomada de decisões econômicas a partir do mercado doméstico e da redução da vulnerabilidade externa. O que se seguiu, em 2016, foi o que ele chama de “apequenamento” da política econômica, com o resgate da visão neoliberal – piorada. “Conseguiram piorar o que já era muito ruim.”
Papel do Estado
Um apequenamento que se traduz, exemplifica, na reunião de várias áreas em apenas um ministério. Não o da Economia, seu nome formal, mas “das finanças, da gestão de caixa”. Com uma visão “defasada, démodé“, de gestão. “Está muito claro o papel do Estado como condutor de políticas econômicas”, ressalta.
Para o ex-ministro Guido Mantega, o processo de “demonização” do PT ocorre desde as eleições de 1989. “Nós estamos acostumados com esse processo. No período mais recente, nesta eleição, nós observamos que essa estratégia revive. Agora, com outros elementos.” Assim, surgiu o “mito” de que o partido quebrou o país. ” Na verdade, o que está demostrando é que o que houve foi o contrário. O PT construiu o desenvolvimento. Existe uma negação do ciclo de desenvolvimento que o PT implantou no Brasil. De 2003 a 2015, afirmou Mantega, “houve um ciclo de expansão da economia brasileira como nunca houve nos últimos 40 anos”. Um período de criação recorde de empregos formais e elevação das taxas de investimento. “Tudo isso não seria relevante não fosse o crescimento da renda da população”, acrescentou o ex-ministro.
O professor e também ex-ministro Luiz Gonzaga Belluzzo observou que o Plano Real derrotou a inflação, mas deu um “pontapé inicial” no processo de desindustrialização, com juros altos e câmbio sobrevalorizado. O único momento em que tentou um novo fortalecimento da indústria brasileira, segundo ele, foi na gestão petista, com Mantega, com o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e outros projetos de conteúdo nacional.