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Xadrez do submarino nuclear e do novo pré-sal

Jan 26, 2023

Por Luis Nassif, no GGN                                                                                                         

                                      

 O submarino com propulsão nuclear poderá ser uma das grandes promessas tecnológicas da defesa brasileira, em um momento em que se espera que os militares ocupem sua cabeça com temas da área.

No governo Lula foi lançado o Prosub, visando dotar o país de submarinos com propulsão nuclear. A Marinha já construiu dois submarinos, mas ainda com propulsão convencional.

Peça 1 – o início do Prosub

No início das discussões sobre a fabricação do submarino brasileiro, houve disputa. Uma ala, liderada pelo Almirante Euclides Duncan Janot de Matos, queria um submarino convencional, da alemã  Thyssenkrupp, que se envolveu em escândalos em vários países. Janot chefiou o Estado Maior da Marinha e estava cotado para comandante. Acabou envolvido mais tarde na Operação Luxo, da Polícia Federal, acusado de ter recebido propinas dos alemães.

A ala submarinista organizou-se em torno do Almirante Othon Luiz Pinheiro da Silva, defendendo a compra do  francês Scorpène, que já era casco de submarino nuclear.

Mais tarde, Othon foi denunciado na Lava Jato, por elementos levantados pelo Procurador Geral da República Rodrigo Janot, e recebido pessoalmente da advogada Leslie Caldwell, procuradora-adjunta encarregada da Divisão Criminal do Departamento de Justiça dos Estados Unidos, conforme noticiou o GGN em 1o de agosto de 2015.

O Prosub continuou avançando. Mas, nesse ínterim, o Departamento de Justiça norte-americano, em parceria com o Departamento de Estado, atuou em duas frentes.

Peça 2 – de bondes a reatores

O mercado global de energia e turbinas é dominado por quatro empresas: Siemens, Mitsubishi, General Eletric e Alstom. A Alstom surgiu em 1922, com a criação da CFTH (Compagnie Française Thomson-Houston). A empresa começou fabricando locomotivas, evoluiu para metralhadoras e chegou à eletricidade.

Depois, entrou na área eletroeletrônica, desenvolvendo turbinas para geração nuclear. Em 2006,  chegou a um modelo revolucionário, o Arabelle, o que lhe deu enorme vantagem sobre os concorrentes. As turbinas Arabelle foram consideradas as mais confiáveis do mundo, garantindo um ciclo de vida de 60 anos para usinas nucleares.

Em novembro de 2007, a UniStar, americano, selecionou a Alstom para fornecer as turbinas Arabelle para novas usinas nucleares dos EUA. É a 125a da Fortune, com receita de US $19,3 bilhões em 2006, sendo a maior fornecedora competitiva de eletricidade do país para grandes clientes comerciais e industriais e a maior vendedora atacadista de energia do país. 

Em 1o de setembro de 2006, foi anunciado que a Alstom construiria a maior turbina a vapor da história, em parceria com a estatal EDF. 

Aí, entra em cena o Departamento de Justiça dos Estados Unidos (DoJ).

Peça 3 – a Lava Jato da Alstom

A operação contra a Alstom antecedeu e foi copiada em tudo pela Lava Jato, até na parceria do DoJ com procuradores suíços. Em 24 de março de 2010, vários escritórios da empresa, no Reino Unido, foram invadidos por policiais, executando mandados de busca e apreensão a pedido da justiça federal suíça. 

Relatórios do Ministério Público suíço, de maio de 2008, mostram evidências de que a Alstom teria pago 20 milhões de euros, por meio de empresas de fachada, na Cingapura, Indonésia, Venezuela e Brasil. Os relatórios mencionam, pagamentos de 6,8 milhões de euros em contratos de 45 milhões de euros para o metrô de São Paulo e uma usina de energia brasileira.

As investigações começaram em 2008. Em novembro de 2011, o MPF Suíço encerrou as investigações, concluindo pela inocência da empresa.

Em 2013, o executivo Frédéric Pierucci foi preso ao chegar no aeroporto JFK, de Nova York, por suposto caso de corrupção na Indonésia no início dos anos 2000. O promotor ofereceu um acordo a Pierucci: ele poderia ser libertado se concordasse em atuar como informante secreto do FBI dentro da Justiça. Pierucci se negou.

A segunda investida foi contra o presidente da Alstom, Patrick Kron. Pressionado, Kron anunciou planos para vender o negócio de energia – 75% da empresa – para a GE em meados de 2014. Três dias depois, o acordo no caso de suborno tirou o alto escalão da Alstom do inquérito. A decisão foi apoiada pelo então Ministro da Economia Emmanuel Macron. Segundo Pierucci, vários executivos da Alstom – incluindo o presidente – receberam bônus polpudos quando o acordo com a GE foi finalizado.

Com o apoio do então Ministro Macron, a França deixou de lado qualquer veleidade estratégica. Passou a depender da GE para atender quase metade das turbinas a vapor da sua frota e dos quatro submarinos de mísseis balísticos. A GE passou a deter o monopólio do fornecimento até para a marinha francesa. 

Em entrevista à BBC News, Pierucci dizia ter sido peão em três grandes batalhas geopolíticas.

  • A primeira, a briga entre a Justiça americana e a Alstom, “que resultou na rendição total da empresa francesa”.
  • A segunda batalha foi a compra da maior parte da Alstom pela GE.
  • A terceira batalha teria sido a grande guerra da geopolítica mundial. 

Pierre Laporte, um ex-advogado da GE que agora trabalha como sócio de Pierucci, observou que 70% das empresas visadas pela ação anticorrupção dos EUA eram estrangeiras – principalmente europeias. A FCPA e outras leis que se aplicam além das fronteiras dos EUA, diz Laporte, são “ferramentas de dominação econômica”. Tempos depois, Perucci lançou o livro “The American Trap”, com o jornalista Mathieu Aron, mostrando como a Justiça americana pressionou para inviabilizar o braço de energia da Alstom. No livro, Pierucci revela que quatro empresas foram adquiridas pela GE nas mesmas condições.

A venda do ramo de energia da Alstom para a GE foi quase um escândalo. Havia propostas de maior valor da Siemens e da Mitsubishi. Mas o CEO da Alstom, Patrick Kron deixou de lado o processo de oferta pública, aproveitando o temor da Alstom com as denúncias de corrupção.

Em artigo no Le Figaro, Alexandre Devecchio descreve assim a operação:

“O memorando de entendimento aprovado por Emmanuel Macron em novembro e votado pela assembleia geral da Alstom em 19 de dezembro é realmente alucinante! pois dá lugar de destaque à General Electric e não corresponde ao que foi negociado e apresentado na primavera passada.

Para além dos elementos de linguagem dos comunicadores e da defesa de Patrick Kron, trata-se de facto da venda – ouso dizer, por um prato de lentilhas – de uma das últimas e mais belas jóias da indústria francesa à General Electric”.

Não foi apenas a França que perdeu. A subsidiária brasileira da Alstom era fabricante de turbinas gigantescas para grandes hidrelétricas mundiais. Em 2012 vendeu várias turbinas para a China, tornando o Brasil um grande exportador. Hoje em dia, não existe mais nenhuma fábrica no Brasil preparada para produzir grandes turbinas.

Peça 4 – as voltas que a geopolítica dá

Mudanças geopolíticas mudaram o cenário inicial.

Assim como no Brasil, o lavajatismo avançou em uma França dividida politicamente. Lá, a direita é dominada pelo chamado Grupo Atlantista, de defensores de alinhamento incondicional com Estados Unidos e a Otan.

No período 2005/2006, quando avançavam as negociações com Brasil, havia grandes discussões sobre as verbas para a construção do submarino Barracuda, fundamental para os testes com o reator Arabelle.

Mas, com a esquerda crescendo nas eleições, os gaullistas aliaram-se aos Atlantistas. O então presidente Jacques Chirac colocou um atlantista no coração da defesa francesa, a Secretaria Geral de Defesa.

Nos Estados Unidos, desde a era Nixon o grande inimigo era a Rússia. Para isso, seria relevante fortalecer a China. Chegando ao poder, Donald Trump mudou tudo. Demitiu toda a área de inteligência, colocou gente dele com a proposta de se aproximar da Rússia – que estava fraca – para poder enfrentar a China, que ele considerava o grande adversário.

Com Biden, houve uma nova mudança de postura. Considerava que a China, com uma estrutura de negócios muito ligada à americana, seria a aliada natural. E a Rússia voltaria a ser a inimiga. E foi essa mudança de postura que permitiu movimentar algumas peças no xadrez internacional, e trazer de volta o sonho do submarino nuclear.

Peça 5 – a França acorda

Assim como na Lava Jato, gradativamente a opinião pública francesa foi acordando para o jogo de interesses geopolíticos. O apoio inicial à venda da Alstom transformou-se em críticas até cair a ficha sobre as perdas estratégicas do país. E o grande defensor da volta foi a já presidente Macron.

Quando aumentou a crise Rússia-Ucrânia, para aderir aos Estados Unidos a condição de Macron foi a possibilidade de volta à fábrica da Alston. Para a GE foi um alívio. Para levar a Arabelle ela trouxe junto toda a área de energia da Alstom – que não era rentável. Como é a maior vendedora de produtos para a área de defesa do país, provavelmente houve compensações em outros contratos.

Em novembro de 2022, a estatal francesa EDF (Électricé de France) assinou acordo para adquirir as atividades nucleares da GE Steam Power. O acordo também incluiu tecnologia de turbinas a vapor para futuras usinas nucleares, como os reatores pressurizados europeus (EPR2) e pequenos reatores modulares (SMR).

Em um comunicado, a GE disse: “Esta aquisição permitirá ao EDF Group fortalecer as tecnologias e habilidades em torno da ilha convencional, essenciais para a manutenção da frota nuclear existente e projetos futuros”.

Paralelamente, a mudança de governo brasileiro foi outro avanço. Devido às grosserias de Jair Bolsonaro – que chegou a ofender a esposa de Macron – o embaixador brasileiro jamais foi recebido pelo governo francês. Agora, as relações voltam à normalidade.

Peça 6 – a volta do Prosub

Até agora a Marinha construiu dois submarinos, mas ainda sem a propulsão nuclear.

O grande nó do Prosub seria no momento de adquirir a turbina nuclear. Haveria enormes dificuldades em uma empresa americana licenciar sua tecnologia. Tanto que, ainda no período Bolsonaro, alguns almirantes chegaram a empreender tratativas para um eventual acordo com a Rússia.

Agora, com a França voltando ao páreo, o submarino nuclear ganha nova prioridade, embora o orçamento aprovado destine apenas R $248,8 milhões para o projeto – embora contemple mais R$ 291,3 milhões para o desenvolvimento da tecnologia nuclear da Marinha e R$ 281,7 milhões para recomposição do núcleo do poder naval.

O grande trunfo dos submarinistas é um tema pouco abordado pela mídia, mas que poderá se converter em um novo pré-sal: a Elevação do Rio Grande. Trata-se de um conjunto de platôs submarinos, a 1.500 km da costa do Rio de Janeiro, com uma profundidade entre 700 a 5 mil metros, que poderá conter um tesouro maior do que o pré-sal. Leia, a propósito, a excelente reportagem de Claudio Ângelo, “O segredo do abismo”, na revista Piauí de julho de 2018.

A Elevação contém doses riquíssimas de terra raras, essenciais para a próxima etapa de desenvolvimento mundial. Segundo a reportagem, o Departamento de Energia dos Estados Unidos divulgou um estudo em 2011, apontando para o risco de desabastecimento de cinco minerais essenciais para a indústria de energias renováveis: lítio, európio, térbio, disprósio e neodímio. Em 2017, a União Europeia classificou o cobalto e as terras raras entre os 27 produtos minerais críticos para sua economia.

Ainda em 2017, o Brasil fechou um acordo com a Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos – ligado à ONU – para explorar uma área de 3 mil km2 na Elevação do Rio Grande. Serão necessárias pesquisas demonstrando viabilidade econômica e segurança ambiental para o país reivindicar, a partir de 2030, direitos exclusivos sobre 150 blocos de 20 km2 cada, repletos de minerais raros.

 

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