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Para entender a lógica do plano Haddad

Abr 10, 2023

Por Luis Nassif, no Jornal GGN                                                                                                            

 

Foto: Jet

Aos poucos, catando indícios daqui e dali, vai ficando mais clara a estratégia de Fernando Haddad com o tal arcabouço fiscal.

Parte de dois pressupostos:

  1. A impossibilidade de reverter a independência do Banco Central.
  2. Os condicionantes criados pelo mercado.

A ideia dos condicionantes é que, mesmo podendo ser questionados tecnicamente, a ideia dos limites de gastos e da estabilidade do resultado primário é essencial para acalmar o mercado e retomar os investimentos.

A partir daí, montou-se a seguinte estratégia:

Passo 1 – dá-se o que o mercado quer.

Ou seja, uma regra fiscal mais inteligente que a Lei do Teto. A lógica é que não adianta peitar princípios consolidados, ainda que não se veja rigor científico neles. Tem que fazer o jogo e ir mudando aos poucos.

Passo 2 – atua com normalidade com o presidente do Banco Central Roberto Campos Neto.

Passo 3 – Deixa Campos Neto por conta do mercado.

O mercado recebeu o que queria. Esse fato explicita mais ainda o absurdo da política monetária de Campos Neto. A política monetária está paralisando o mercado de crédito e desorganizando totalmente o mercado. 

Neste momento, ele começa a ser alvo de críticas cada vez mais intensas dos grandes bancos comerciais e do mercado. Foram essas críticas – não a capacidade de discernimento – que levaram Campos Neto a elogiar o novo arcabouço, durante reunião no Bradesco.

Passo 4 – ter o apoio do mercado para combater os grandes vazamentos tributários.

Sua tática, no caso, é confrontar o mercado com esses abusos.

Tipo: se você quiser que eu mantenha a integridade do arcabouço fiscal, tem que ajudar a acabar com privilégios indevidos de grandes grupos. E bote grandes grupos nisso. Por suas declarações, são privilégios que beneficiam as 500 maiores empresas do país.

Por exemplo, a Zona Franca de Manaus dá isenção de IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados). O produto é comprado pelas fábricas de fora da ZF. E, depois, o IPI (que não foi pago) é descontado não apenas do IPI devido, mas dos demais impostos estaduais e federais.

A Receita questiona, mas os casos são empurramos com a barriga pela engenharia tributária abusiva. Apenas a Ambev tem um contingente tributário de R$ 80 bi.

As dúvidas

Que Haddad vai dobrar Campos Neto, não se tenha dúvidas. A diferença de QIs é abismante. Campos Neto é um boneco do ventríloquo, que se desgarrou do criador. Repetiu o mito do homem comum que vê-se, de repente, com um poder imprevisto e não tem a menor ideia de como administrá-lo.

Não soube dosar suas manifestações em favor da Selic de 13,75% e agora ficou prisioneiro desse discurso sendo deserdado gradativamente por seus padrinhos.

As dúvidas que ficam:

  1. Não se tem a menor ideia sobre como será a recomposição do investimento público, peça essencial para um projeto consistente de crescimento econômico.
  2. Consolida-se a ideia do controle de gastos como peça central do arcabouço fiscal. Fica a dúvida sobre se a manutenção do modelo faz parte das convicções de Haddad, ou se é apenas algo contingencial devido ao fator Campos Neto.
  3. Os planos alternativos para a recuperação da economia. Há apenas princípios, mas nada concreto, como a reedição do Plano Safras para a indústria.
  4. O timing econômico e o político. O tempo político de Lula não são mais 8 anos, como no primeiro mandato, mas só esse mandato, pela idade e pela energia. Para os dois primeiros anos, há a certeza de uma economia se arrastando. Para os dois anos restantes, nenhuma garantia de uma economia pujante.
  5. Acredita demasiadamente que existe uma disputa real entre capital financeiro e o grande capital industrial.
  6. De qualquer modo, há um conjunto de vantagens competitivas do país, como o potencial de energia verde, a disputa pela atenção das grandes potências e a atração de investimentos globais para o meio ambiente. Tudo isto poderá virar o jogo.

Apenas no final do processo se saberá se o plano Haddad foi uma estratégia digna de um Alekhine ou Capablanca, ou apenas uma abertura de dois lances, em que não se pensou no desenvolvimento das peças e, especialmente, do final.

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