Foto: Arte do Artista/EBC
Aderbal Freire-Filho era mais que grande homem de teatro, que escrevia, dirigia e representava. Foi um intelectual público, no sentido de quem se esforça para produzir e divulgar ideias e opiniões próprias, buscando enriquecer a coletividade com seu trabalho, suas reflexões, seus questionamentos sobre uma ordem de coisas precisa mudar. Ele o fez no Teatro e também fora dele, como cidadão atento ao seu tempo.
No teatro ele foi ousado, inovador, vanguardista, desde que chegou ao Rio em 1970, vindo de Fortaleza. Formara-se advogado mas seu espírito inquieto jamais se conformaria com um escritório, uma tribuna ou mesmo uma toga. Dirigiu peças questionadoras, como Pequeno Dicionário da Linguagem Feminina ou Manual de Sobrevivência na Selva, e clássicos como Hamlet e Macbeth. E grandes sucessos, como Apareceu a Margarida, com Marília Pêra, primeira direção dele que vi, ainda estudante.
Mas mesmo ocupando o centro de sua vida, o teatro não bastava à sua ânsia de incidir sobre a realidade. Eu conheci Aderbal, já casado com Marieta Severo, através do amigo comum Sergio Cardia. Quando presidi a EBC/TV Brasil, fortaleci o programa que o grande Sergio Britto apresentava, A Grande Arte, que tinha o Cardia como produtor. No final de meu mandato, Britto morreu, e Aderbal sucedeu-o no programa, que passou a chamar-se A Arte do Artista. Ele gostava de fazê-lo, levando para a TV Pública entrevistas e reportagens sobre o que acontecia nas artes em geral, não apenas nas artes cênicas.
Mas houve o golpe e Aderbal pagou o preço. A primeira iniciativa de Temer, ainda como interino, foi a intervenção na EBC, que ele deformou no essencial, e Bolsonaro fez o resto. Como outros jornalistas, fui enxotada. Eu já não era presidente, era comentarista. A programação ainda era basicamente a que construímos na diretoria inaugural e todos os programas que contavam com alguém que fora crítico do impeachment foram limados. O contrato para a Arte do Artista foi rompido, depois que algumas calúnias sobre os valores do contrato foram postas em circulação. O valor correspondia a uma produção independente completa, que envolvia uma equipe, e não ao salário de Aderbal. Mentiram e o magoaram muito.
Em 2017 ele já estava em uma nova briga, agora para salvar a SBAT (Sociedade Brasileria de Autores Teatrais). A integração latino-americana no teatro sempre fora um objetivo dele, e nessa época ele ficou entre o Rio e Montevidéo, onde tornou-se querido e popular, recebendo um título de cidadão da capital uruguaia.
Através do Cardia, acompanhei sempre este último ato. Nas trepidações políticas dos últimos tempos, sempre pensei nele, no que estaria pensando, dizendo e fazendo. Descansou, deixou legado, deixou saudade.