Dia desses esbarrei com um vídeo nas redes sociais, no qual o insuspeito Waldemar da Costa Neto, figura de baixíssima extração da política nacional, diz com todas as letras o que já devia ser de domínio público, mas infelizmente ainda não é: “Como se trata de um artista, Roberto Jefferson inventou o mensalão.”
Isto na semana em que o Supremo Tribunal Federal, através do ministro Toffoli, jogou a pá de cal que faltava sobre a Lava Jato.
“Ah, mas se estamos de alma lavada com a derrocada final de Moro, Dallagnol e companhia e com o caminho que se abre para responsabilização criminal da gangue de Curitiba e até, quem sabe, dos veículos de comunicação acumpliciados, por que remoer essa história do mensalão?”, perguntarão alguns lutadores políticos e sociais.
Não é difícil responder: antes tarde do que nunca, é importante reparar a injustiça cometida contra diversos brasileiros que tiveram suas reputações destruídas, perderam seus mandatos e empregos e foram parar na cadeia. Em nome do zelo pelo estado democrático de direito e em respeito às futuras gerações, não se pode varrer toda essa sujeira para debaixo do tapete da história. É preciso jogar luz sobre as inúmeras aberrações jurídicas produzidas pelo mensalão.
Há um equívoco temporal na decisão de Toffoli sobre a Lava Jato: não foi ali que se chocou o ovo da serpente do fascismo pela primeira vez, mas cerca de dez anos antes, por ocasião da farsa jurídico-midiática monumental engendrada pela Ação Penal 470.
Abre parênteses: alguns réus do mensalão deveriam responder à justiça eleitoral por financiamento ilegal de campanha eleitoral, o caixa 2, e não à justiça criminal. Era época de financiamento privado das campanhas, na qual os empresários despejavam montanhas de dinheiro nas eleições. Hoje o financiamento é praticamente público, depois da criação do fundo eleitoral. Um avanço considerável. Fecha parênteses.
Tendo como alvo central o Partido dos Trabalhadores, suas principais lideranças e aliados, o processo do mensalão não teria ido tão longe não fosse a condenação prévia dos réus pelo tribunal da mídia, com a Rede Globo à frente. Também não prosperaria sem a espetacularização das prisões e a transformação das transmissões ao vivo das sessões do Supremo em programas apelativos de auditório.
Tal qual sua irmã mais nova, a Lava Jato, também no mensalão premissas constitucionais, como a presunção da inocência, foram atiradas no lixo. O código penal e o código de processo penal foram violados sem prurido ao longo de todo o tempo de duração do processo de exceção.
Se não bastasse, o relator Joaquim Barbosa, inebriado pelos holofotes da mídia, importou do código penal alemão a teoria do domínio do fato, para aplicá-lo no Brasil de forma oportunista e sem amparo na nossa legislação.
Cerca de mil testemunhas foram ouvidas na instrução da AP 470, dentre elas, só Roberto Jefferson confirmou a existência de um esquema de compra de votos no Congresso. Todas as outras pessoas ouvidas negaram taxativamente ter conhecimento do esquema.
Entretanto, na ânsia de entregar o resultado exigido pela imprensa, Joaquim Barbosa ignorou por completo esses depoimentos.
Faltava o gran finale .Como era necessário emplacar uma narrativa acerca da origem do dinheiro público que financiara o mensalão, inventou-se uma história sem pé nem cabeça de desvios de verbas publicitárias do Visanet/Cartão Ourocard.
De nada adiantou a imprensa alternativa ter publicado reportagens provando que todos esses recursos foram efetivamente gastos em campanhas publicitárias do cartão Ourocard do Banco do Brasil. Relatório do próprio Banco do Brasil atestou a lisura na utilização desse dinheiro em suas campanhas.
Mas lawfare é assim: o fato não importa, mas sim uma versão capaz de colocar o sistema de justiça a serviço de interesses políticos.