É importante começar este artigo manifestando uma posição pessoal: sou totalmente favorável à indicação de uma mulher negra para a vaga no Supremo Tribunal Federal a ser aberta com a aposentadoria de Rosa Weber, em novembro.
Além de uma questão de justiça de gênero, pois atualmente apenas duas mulheres compõem o colegiado do STF, uma mulher negra na Corte Suprema seria um passo relevante na direção de um reparação histórica, já que o tribunal em quase 200 anos de existência nunca contou com uma ministra negra.
Isto posto, vou tentar contextualizar o debate sobre a nova indicação a ser feita por Lula, a partir do que se sabe sobre o sentimento que move o presidente no que se refere ao preenchimento de cargos importantes no sistema de justiça.
É impossível alguém sair ileso de 580 dias de uma prisão injusta e ilegal, que se seguiu a um golpe judicial-midiático-parlamentar contra sua sucessora Dilma Rousseff, além da perseguição e ao cerco implacável contra lideranças e dirigentes do Partido dos Trabalhadores. Por mais que não se deixe contaminar por sentimentos de ódio e desejos de vingança, até porque tem a responsabilidade de governar o país outra vez, Lula não é imune a traumas e mágoas próprias dos seres humanos.
Em condições normais de temperatura e pressão, Lula se inclinaria pela escolha de uma mulher negra para o Supremo, em linha com seu compromisso com a diversidade e a luta antirracista. Mas é preciso levar em conta que as feridas na sua alma o fazem considerar como requisito fundamental a proximidade e a confiança pessoal. Daí despontarem como favoritos, segundo a imprensa, três homens: Jorge Messias, advogado-geral da União, Bruno Dantas, ministro do Tribunal de Contas, e Flávio Dino, atual ministro da Justiça. Este último, de acordo com reportagem que acabo de ler na Revista Fórum, assinada pelo jornalista Plínio Theodoro, desponta agora como favorito.
Tenho lido e ouvido análises de pessoas respeitáveis apontando a possível não indicação de uma mulher negra para o STF como traição de Lula a compromissos de campanha e desrespeito à causa das mulheres e dos negros.
Menos, gente, bem menos.
Cabe lembrar que a coube Lula a escolha inédita de um ministro negro para o Supremo e que ele tem indicado mulheres e negras para outras vagas do Judiciário. Cobrar, em nome da diversidade de gênero e da luta contra os racismo estrutural que envergonha o país, que uma mulher negra ocupe a cadeira de Rosa Weber é uma ação política justa e pra lá de meritória.
Mas afirmar que Lula, se seguir caminho diferente, rasgará essas bandeiras civilizatórias em praça pública me parece um exagero impulsionado por doses consideráveis de sectarismo.