Nesses tempos de intensa banalização das ordens de prisão e de quebra de sigilos telefônicos, a sentença da desembargadora federal Neuza Alves a respeito da invasão do escritório da LFT Marketing Esportivo, de Luiz Cláudio, filho de Lula, pela Polícia Federal - a pedido do Ministério Público Federal – é um alento aos defensores dos direitos civis.
Neuza Alves quebrou dois tabus: anos atrás, quando se tornou a primeira desembargadora negra; e agora, ao ser a primeira a se insurgir contra abusos que se tornaram corriqueiros nesses tempos em que o clamor da turba penaliza qualquer gesto de garantia de direitos.
A desembargadora acatou mandado de segurança dos advogados de Luiz Cláudio, e decretou sigilo ao material recolhido em seu escritório. Só não autorizou a devolução porque sua decisão está sujeita à apreciação do colegiado do tribunal.
Como se recorda, a PF fez um longo pedido de prisões e buscas em escritórios investigados na Operação Zelotes.
Dois procuradores da força-tarefa - Raquel Branquinho e José Alfredo de Paula Silva – fizeram um aditamento ao pedido da PF, incluindo o escritório de Luiz Cláudio nas buscas. O único argumento levantado era de que a empresa recebera recursos de um dos lobistas envolvidos na operação.
Atuando como substituta, a juíza Celia Regina Ody Bernardes aceitou o aditamento, com base nessas ilações dos procuradores. E mandou dar publicidade ao material apreendido.
A defesa de Luiz Cláudio entrou com mandado de segurança no TRF 1 para reaver o material e decretar sigilo sobre o conteúdo. Alegou que a medida não se baseou em nenhuma investigação prévia, mas meramente na especulação dos procuradores.
O mandado caiu para um juiz substituto (de primeira instância, mesmo nível da juíza), que indeferiu o pedido.
A defesa entrou com novo mandado de segurança contra a decisão do juiz substituto. Foi sobre esse pedido que a desembargadora Neuza se manifestou.
Sua sentença é primeiro sinal efetivo de que os tribunais superiores poderão inverter o padrão até agora adotado pela Lava Jato – e seguido pela Zelotes – de banalização das quebras de sigilo.
Diz ela em sua sentença:
“(...) Diviso porque a medida cautelar de busca e apreensão substancia procedimento extremo, dada a sua manifesta invasividade, que traz como inarredável consequência a afronta aos direitos à intimidade e privacidade de quem por ela é atingido.
Assim, reconhecida a gravosidade da medida de busca e apreensão, a sua utilização reclama especial ponderação da autoridade que a determina, devendo estar fundada, repita-se, em sólidos elementos de convicção que, com base em prévia investigação indicativa da ocorrência da prática de delitos por quem se verá atingido pela decisão, lhe sirvam de anteparo.
Na espécie, data vênia, não vislumbro ser essa a situação, na medida em que, segundo narram os impetrantes - e em conformidade com a documentação presente nestes fólios, depois de longa e detalhada investigação, a autoridade policial representou pela efetivação de diversas medidas judiciais, dentre as quais, prisões preventivas, conduções coercitivas e também busca e apreensão, sem, contudo, considerar necessária a consecução de nenhum procedimento em relação a si ou aos seus sócios.
Apenas em sua manifestação derradeira foi que o Parquet realizou aditamento aquilo que havia sido requerido pela autoridade policial para, baseado unicamente em uma ilação - e aqui não se analise a sua razoabilidade, mas apenas o fato de ter sido o único fundamento apresentado - requerer a efetivação de uma devassa em empresas que, até então, não eram objeto de investigação alguma, nem mesmo como desdobramento do procedimento que até então avançava em curso firme, sem titubeios nem tentativas de evasão de informações.
Portanto, entendo que houve, sim, flagrante desproporcionalidade na decretação da medida que neste mandado de segurança se combate, o que não significa nem de longe dizer que ela não se mostrasse viável em outro”.
A juíza se manifesta também sobre o princípio da publicidade – invocada pela Lava Jato e pela Zelotes para justificar o intenso vazamento de qualquer informação recolhida.
Explique-se, de antemão, que não se desconhece o fato de que o principio da publicidade dos atos processuais deve ser tido como regra, em obsequio ao que determina a Constituição Federal em seus arts. 5°, LX e XXXIII e 93, IX.
É a própria Carta de Outubro, entretanto, que cuida de excepcionar a aplicação ampla de tal princípio, restringindo-o, pois, nas hipóteses em que houver interesse social na preservação do sigilo, ou quando a necessidade de resguardo da intimidade de quem seja parte no feito o justifique.
Na espécie, não há dúvidas de que a devassa levada a efeito pela decisão judicial em testilha substanciou a arrecadação de diversos documentos e dados que em uma situação de normalidade integram a esfera da intimidade e privacidade das empresas impetrantes. Por outro lado, a inclusão de tais documentos nos autos do processo correlato, sem o necessário sigilo, permitiria que qualquer pessoa a eles tivesse acesso, inclusive eventuais concorrentes comerciais que teriam ao seu alcance as estratégias empresariais, planos de ação e, até, dados referentes aos fornecedores e clientes (efetivos e potenciais) dos impetrantes.
Assim, apesar da prevalência, em tese, do princípio da publicidade, a efetiva possibilidade de revogação ou cassação da medida de busca e apreensão pelo orção fracionário competente recomenda a decretação do sigilo, não da investigação como urn todo, como chegou a constar da petição inicial do presente writ, mas dos documentos e dados apreendidos nas empresas impetrantes.