"É uma mistura de messianismo, com religiosidade e com uma supremacia do indivíduo que é corajoso", diz o presidente do PT, José Genoíno
Foto: Apu Gomes/Oxfam
"Uma das coisas mais importantes da fé é essa crença em Jesus: 'Jesus te ama', você passa a se sentir amado e passa a se sentir valorizado. Da mesma forma que o discurso do bandido 'Sangue Bom': 'esse é um bandido de respeito'", afirma Bruno Paes Manso, jornalista e pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (USP).
"A fé e o fuzil: Crime e religião no Brasil do século XXI" retoma aspectos das outras produções de Manso, como "A Guerra PCC e o mundo do crime no Brasil" (Todavia), produzido junto com Camila Nunes Dias, e "A República das Milícias” (Todavia).
Em 2020, uma pesquisa do Datafolha indicou que ao menos 80% da população brasileira se declarava cristã, destes 50% católica, 31% evangélica; enquanto 10% afirmaram não ter religião. Segundo ele, o país vive o reflexo de "uma nova crença com essa capacidade de acreditar, de ter fé, e de reformatar a cabeça, como se você desse um reboot na sua programação do dia a dia e se transformasse em uma outra coisa".
O pesquisador explica que nas cadeias, esse processo é ainda mais evidenciado. Apesar de serem "dois mundos opostos", para Manso, "o papel das igrejas nos presídios, nas cenas criminais, nas cracolândias, são uma porta de saída muito importante".
Ao Três por Quatro, o comentarista e ex-presidente do PT, José Genoino afirma que, a mistura entre religião e crime organizado se dá na tentativa de "construir uma justificativa moral" para seus atos: "é uma mistura de messianismo, com religiosidade e com uma supremacia do indivíduo que é corajoso".
Diante das diversas entrevistas realizadas na elaboração de "A fé e o fuzil: Crime e religião no Brasil do século XXI", Bruno Paes Manso explica que, ao se aliar à fé para sair "do fundo do poço", essas pessoas "recebiam essa possibilidade de transformação, renascendo numa nova identidade religiosa".
O autor revela que, ao entrevistar ex-bandidos e ex-traficantes, "eles tinham convicção de que nunca tinham matado nenhum inocente e essa convicção da moralidade homicida para mim era muito surpreendente".
É o que também diz o presidente do PT e comentarista do podcast Três por Quatro: "a igreja passa a ser uma espécie de sublimação, porque ela está dando assistência. É interessante observar, ela não entrega, ela não persegue, ela convive".
"Esse fenômeno ficou muito embrenhado dentro das organizações do Estado brasileiro. Eles tentam construir uma justificativa moraleira e eu acho que para enfrentar essa questão, você tem que ter uma reforma nas políticas públicas, porque o estado está contaminado por essa visão."
Do moralismo ao bolsonarismo
"Eu faço a comparação das facções prisionais com as igrejas, porque nesse sentido elas são parecidas, tanto as igrejas como as facções passam a partir de um novo discurso trabalhando uma nova crença a mudar comportamento", afirma o autor Bruno Paes Manso.
Tanto o neopentecostalismo capitaneado por Edir Macedo, quanto a organização das facções criminosas, com o PCC, pregam "uma nova crença para exorcizar o espírito atrasado, rural e letrado, para criar um novo espírito moderno capaz de consumir, capaz de fazer parte do mercado".
Manso aponta que esse processo é um resultado do ceticismo da população. "A esquerda representava um projeto de futuro, a própria redemocratização, você acreditava numa reforma que vinha no futuro. Você se engajava nessa causa e lutava para que um país mais justo existisse depois de 30 anos. Com o ceticismo diante da política, a guerra no lugar da política, você não acredita mais em um projeto de futuro, você precisa sobreviver no presente."
"Essa nova crença de repente passa a se popularizar muito rapidamente via televisão, via igrejinhas, via um empreendimento espiritual", o que, segundo Manso, resulta na eleição do ex-presidente Jair Bolsonaro, em 2018.
Bruno destaca que ambas as organizações "foram soluções criadas na miséria, foram soluções criadas pelos pobres que convivem entre si e que buscam a produção de ordem, que buscam uma produção de previsibilidade e de condição de sobreviver numa sociedade que exige ter dinheiro".
Neste contexto, o comentarista José Genoino afirma que criou-se uma relação de respeito entre criminosos e pastores "no sentido de que tem uma convivência tácita não declarada".
O ex-presidente do PT aponta como uma das soluções a mudança nas políticas de segurança pública vinculada com as políticas sociais, além da política de restabelecimento de direitos. "O discurso da esquerda tem de penetrar hoje nessa barreira criada pela teologia do domínio."
Edição: Matheus Alves de Almeida