Estou em fase de organizar meus arquivos pessoais. Consultando os troféus, me deparo com uma pequena – e honrosa – medalha que recebi da Marinha, pela divulgação do programa nuclear brasileiro.
Fizemos vários seminários sobre a indústria de defesa, sobre o Plano Nacional de Defesa, sobre o enorme feito da Marinha, de ter desenvolvido o sistema de ultracentrífugas para enriquecimento de urânio.
Na época, não cheguei a conhecer o Almirante Othon, figura reverencial do programa. Conheci o Almirante Alan Arthou. Chegamos a pensar em um seminário para discutir a unificação dos três institutos militares, visando ganhar sinergia.
Hoje, fala-se em retomada do programa. Em seu apartamento no Rio de Janeiro, o Almirante Othon vive seus últimos dias em completa solidão. Há cerca de um mês faleceu sua esposa Maria Célia, companheira desde 1961.
Anos atrás, ele foi alvo de uma operação infame da Lava Jato, depois que o infame Procurador Geral Rodrigo Janot trouxe informações colhidas diretamente do Departamento de Justiça dos Estados Unidos, criminalizando uma operação legítima de tradução técnica feita por uma das filhas de Othon. A acusação dizia que a contrapartida havia sido a prorrogação de contratos de construção de usinas, prerrogativa da presidência da República.
A operação infame foi conduzida pelo delegado da Polícia Federal, Wallace Fernando Noble Santos, com o poder absoluto assegurado por uma Justiça indecentemente parcial e uma mídia que se transformara em repassadora de pré-releases da operação.
,Segundo o delegado, Othon teria avançado sobre a equipe. Noble, com a ajuda de um agente, derrubou e algemou o Almirante, de 76 anos, que gritava que, na condição de vice-almirante da Marinha, deveria haver no mínimo um vice-almirante no local.
Nenhuma voz da Marinha se ergueu para protestar contra a prisão. Só não joguei fora a comenda que ganhei da Marinha por conta dos poucos almirantes que se comportaram dignamente.
O fisiculturista e juiz Marcelo Bretas condenou o almirante a mais de 40 anos de prisão. Posteriormente, o Tribunal Regional Federal arquivou a maioria das condenações.
Tempos depois, o delegado Noble Santos, transformado em herói pela Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) e por seu vice-presidente Vladimir Neto – em livro que teve 9 reedições – foi denunciado e condenado por corrupção. Com o poder angariado, ele passou a vender proteção. Não se soube de “jornalista investigativo” levantando sua história. Possivelmente porque a Lava Jato não distribuiu releases sobre sua corrupção.
O início do Plano Nuclear
Tempos atrás publiquei aqui parte das memórias de Walther Moreira Salles, embaixador do Brasil em Washington no início dos anos 50, mostrando o início dos estudos para o programa nuclear brasileiro, pelo Almirante Alvaro Alberto.
Em mensagem que trocamos na época, o Almirante Othon contou que, com Vargas pressionado politicamente depois que foi eleito presidente, foi difícil implantar o programa nuclear. Coube ao seu sucessor Juscelino Kubitschek dar um grande arranco inicial para implantar a Energia Nuclear do Brasil. JK criou a CNEN – Comissão Nacional de Energia Nuclear e convidou para ser o Presidente da CNEN o Almirante Otacílio Cunha que trabalhou com o Almirante Álvaro Alberto na Sociedade Brasileira de Física .
O Almirante Otacílio Cunha aproveitou ” as brechas ” que o memorando do Getúlio Vargas havia proporcionado e importou três reatores de Pesquisas Nucleares um para São Paulo, outro para Belo Horizonte e outro para o Rio de Janeiro e criou três Instituto vinculados as Universidades Federais de Minas Gerais e Rio de Janeiro e Universidade de São Paulo.
O Almirante Otacílio Cunha ( discípulo de Álvaro Alberto) realizou um formidável trabalho para o Brasil. Infelizmente as atuais autoridades navais talvez nem saiba quem foi o Almirante Otacílio Cunha. Vale observar que até o Almirante Maximiano da Fonseca a Marinha Brasileira não participou das atividades na área da tecnologia nuclear( era apenas um espectador à distância ) e os Almirantes Álvaro Alberto e Otacílio sempre fizeram seus belos trabalhos em organizações que não tinha qualquer ligação com a Marinha e sempre se preocuparam em estimular a participação dos cientistas brasileiros .
A Politécnica
No início dos anos 60, Othon foi promovido a Segundo Tenente do Corpo da Armada e prestou concurso para o Corpo de Engenheiros da Marinha. Em 1964 foi cursar a Escola Politécnica da USP.
O ambiente estudantil na época era completamente diferente da Escola Naval, e o levou a desenvolver uma mentalidade de ouvir muito e conviver com divergências.
Fez muitas amizades com os colegas da Politécnica que foram fundamentais para conseguir instalar um unidade da Marinha na USP , verdadeira jaboticaba brasileira pois o Brasil talvez seja o único país do mundo com uma unidade militar no centro da maior Universidade do país, convivendo amistosamente com os cientistas civis.
As autoridades de hoje não têm ideia das conversas que Othon manteve com os colegas para em pleno regime militar instalar a COPESP – Coordenadoria para Projetos Especiais – rebaixada muito mais tarde para Centro Tecnológico da Marinha em São Paulo.
Hoje, a imagem da Marinha está associada ao Almirante Garnier – afrontando o governo eleito quando Almirante, pedindo orações quando investigado -, o Almirante de Esquadra Bento Costa Lima Leite de Albuquerque Júnior que, mesmo sendo do setor nuclear, como Ministro de MInas e Energia de Bolsonaro aceitou passivamente a negociata com a Eletrobras, empresa estratégica. Ou o Almirante Flávio Rocha que, embora tivesse papel estratégico na área nuclear, preferiu se render à ultradireita bolsonarista.
O Almirante Othon nasceu em 25 de fevereiro de 1939. Ontem completou 85 anos. Que saiba que os pigmeus do Boulevard, os anões emplumados, as aves de carniça do jornalismo jamais conseguirão tirá-lo do panteão dos grandes personagens da história do país.