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Entre Jango e Lula, 60 anos de uma historia que não pode ser esquecida

Abr 02, 2024

Por Luis Nassif, no Jornal GGN                                                                                   

                                                                                               

Nos dois casos havia governos reformistas, com plano de modernizar as relações sociais no país. Em ambos os casos, foram alvo de uma frente mídia-militares-empresários brandindo as bandeiras de sempre: corrupção e comunismo.

Jango caiu porque não respeitou a correlação de forças existentes. De um lado, havia San Thiago Dantas querendo colocar um mínimo de racionalidade na elite empresarial brasileira. Ele e Afonso Arinos de Mello Franco, um jurista ligado a Jango, outro udenista, ambos racionais, tentaram trazer um mínimo de racionalidade à elite brasileira, e não conseguiram.

Jango balançava entre a conciliação e a radicalização – para a qual era empurrado por seu cunhado Leonel Brizolla. Há alguns anos com Almino Affonso – que defendia posições mais agressivas contra o golpe que se avizinhava – me disse que Jango estava certo em não medir forças com a direita. O Ministro da Fazenda do parlamentarismo, Walther Moreira Salles, tinha a mesma opinião. Havia pessoas como San Thiago, Tancredo Neves, Franco Montoro, capazes de fazer a mediação. Mas havia uma sede enorme pelos grandes negócios que poderiam ser abertos pela deposição de Jango.

A grande diferença em relação ao quadro atual, era o grupo de pensadores que montaram as chamadas reformas de base.

O país iniciara seu processo de industrialização, com a Companhia Siderúrgica Nacional, Eletrobras, Petrobras e a indústria automobilística. Começava a se urbanizar. Ainda havia uma enorme miséria no nordeste e na periferia das cidades.

Em torno de Jango reuniu-se o melhor grupo de pensadores sociais da época – muitos deles com papel central no desenvolvimento do Banco Mundial, em sua fase mais social.

Para o nordeste, Celso Furtado pensou um plano de desenvolvimento espelhado no Tennessee Valley, criado no período do New Deal, de Roosevelt.

Fundava-se na criação de uma autarquia, a Tennessee Valley Authority (TVA).

A TVA foi criada para resolver diversos problemas enfrentados pelo Vale do Rio Tennessee, região que englobava partes de sete estados americanos. A área era marcada pela pobreza, erosão do solo, falta de energia elétrica e enchentes devastadoras.

As reformas de base

Havia muito mais. Desenvolveram um projeto de reforma agrária para distribuir aos camponeses terras nas margens das ferrovias que estavam sendo construídas.

Havia um grupo extraordinariamente brilhante de técnicos, como Josué de Castro, Paulo Freire, Anisio Teixeira, Darcy Ribeiro.

No plano eleitoral, propunha-se e extensão do direito de voto aos analfabetos. Para a área urbana, planos de ampliação do saneamento básico, transporte público e habitação popular.

Propunha-e também um imposto progressivo sobre a renda, um aumento da tributação sobre grandes fortunas e lucros das empresas e redução da carga tributária dos mais pobres.

Enfim, a urbanização acelerada que se prenunciava encontraria serviços públicos de qualidade, um orçamento com responsabilidade social, um ataque direto à pobreza do nordeste, que passava por períodos tremendos de seca.

Não apenas em Brasília. Esse espírito de combate à pobreza conquistou o movimento estudantil, o nordeste tornou-se tema prioritário nas semanas do estudante.

Todo esse processo civilizatório foi interrompido pelo golpe de 1964. Por exemplo, a fazenda Bodoquena pertencia à Territorial Franco-Brasileira, da família Rochefoucauld. Os franceses haviam financiado a Estrada de Ferro Brasil-Bolívia e adquirido um total de 440 mil hectares de terra, que iam de Miranda a Porto Esperança, em Mato Grosso, ladeando os 142 quilômetros da estrada. Seriam desapropriadas para reforma agrária. Em vez disso, foi vendida para o Grupo Moreira Salles, que trouxe Nelson Rockefeller como sócio.

Matou-se a vida política nos estados e municípios, com fim das eleições e uma enorme centralização tributária. No lugar de grupos sociais organizados – desde Rotary, Lions, Maçonaria, Santas Casas de Misericórdia, associações de negros – tudo foi substituído pelo deputado despachante, ligado ao governo e com acesso às verbas federais.

Nos anos seguintes, as políticas de estabilização de Roberto Campos destruíram milhares de pequenas empresas. Houve um aumento desmesurado do êxodo do nordeste, com levas de miseráveis indo até Belo Horizonte, pegando um trem para São Paulo, e tentando empregos mal remunerados para sobreviver.

As cidades incharam, o ensino público deteriorou-se e, à custa de planos de desenvolvimento, criou-se uma indústria que padeceu sempre da falta de um mercado de trabalho robusto. E o controle absoluto exercido pelos militartes – havia necessidade de autorização até para trocar um computador de lugar – abriu espaço pára uma corrupção generalizada, com aparecimentos dos chamados coronéis-maçanetas – que abriam as portas do estado para negócios.

Pode-se afirmar que o futuro do Brasil foi destruído a partir do momento que um general tresloucado saiu de Minas Gerais e foi para Brasilia. Mas não apenas ele. Àquela altura, os conspiradores já tinham distribuído armas para fazendeiros por todo o país.

Tortura, crimes contra a humanidade, os homens do porão saindo para constituir milícias, o fim de um país do futuro, tudo isso foi resultado de uma história que Lula não pretende relembrar.

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